Ao identificar o ursinho Pooh com asas, senti falta de minha inocência. Vi um morcego e o Tutubarão também. O céu cheio de nuvens era uma tela onde o vento fazia as vezes de pincel. Sentados nos terrenos gramados eu e meus irmãos descrevíamos cada forma que as nuvens tomavam. Carros e cavalos alados eram comuns, anjos e animais domésticos variados, amálgamas improváveis (“olha, Sid, é você com rodas de trator!”).
Quando um terreno nos oferecia um monte de areia, lá estava eu, criando estradas, túneis e pontes para meus carrinhos, verdadeiros prodígios arquitetônicos. E tal qual os terríveis monstros que Spectreman combatia, eu os destruía com pisadas e socos quando ouvia “Nei, vem tomar banho pra jantar!”.
Nem sempre o serviço de água era eficiente em minha infância, mas nem isso era empecilho para a diversão. A água não vinha na torneira? Hora de ir à bica d’água! Mãe, às vezes pai, tio e meus irmãos nos armávamos de baldes e garrafões de vinho vazios e nos dirigíamos a uma edícula próxima ao córrego Belchior, encher os recipientes e nos divertir no mais próximo de um parque aquático que tínhamos. Não havia verão que resistisse à refrescância de águas outrora limpas, entre gritos de êxtase.
Evidente que hoje ainda há resquícios desses anos pueris, mas infelizmente (ou não, dependendo da dose) as pimentas do cinismo e do sarcasmo temperam nossa visão e percepção. Não nos basta vermos pombas e montanhas formadas pelas nuvens; temos que saber que nuvens são feitas de gotículas de água evaporada e condensada e caso vejamos alguma forma temos que compará-la a um quadro de Vermeer, Goya, Boticelli. Se antes a chuva inesperada era motivo para pularmos nas poças, hoje nos irritamos se sujamos nossos tênis e tamancos. O pôr-do-sol era a promessa de mais um dia de arruaça, diferente de hoje, a confirmação de um dia a menos.
É inevitável sermos mais experientes e cínicos; nosso cérebro assimila o mundo com níveis de discernimento cada vez maiores. Só uma coisa resta: uma pequena nesga, uma pulga do que foi nossa ingenuidade. É quando nos pegamos cantando algo pertencente à nossa infância com os olhos marejados – no meu caso, “todo dia é dia/ toda hora é hora/ de saber que esse mundo é seu./ Se você for amigo e companheiro/ com alegria e imaginação,/ vivendo, sorrindo/ criando e rindo/ será muito feliz e todos serão também...” - , ou quando esquecemos que nossa roupa é da marca X e nos esbaldamos debaixo de um toró inesperado. Quando rimos de piadas antigas e puras como se a ouvíssemos pela primeira vez; quando saboreamos uma bobagem bem temperada com gosto de fogão esmaltado ou de lenha.
Ou quando vemos morcegos planando dentro de um donut que está para ser mordido pelo Mickey, estranhamente com uma capa de super-herói.
Sabe, no fim de ano fico extremamente sentimental. Pensei que os anos mudariam isso, mas vejo que não. Quem sofre é meu blog. Ainda bem que ele aceita meia dúzia de qualquer coisa. Mesmo.
Janio, meu filho, acabei de ler sua convocação. Farei a tal lista antes do fim desse ano par. Mas acho que cinco objetivos são demais. Enfim... o que você não me pede chorando que eu não faça sorrindo?
A propósito, que negócio é esse de acabar com o sorvete de pistache de Porto Alegre? Não se atreva a fazer o mesmo aqui em Indaiatuba...
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