Sou blogueiro desde 2002. Quando soube desse meio de comunicação graças a um artigo de Rosana Hermann, entusiasta de primeira hora dos diários virtuais, vi o substituto perfeito para meus cadernos infindáveis e violáveis. Desde meus 12 anos escrevo coisas. No início eram “poemas” (notem as aspas, por favor), depois “contos policiais” – resquícios de meu amor por Agatha Christie, mais especificamente por Hercule Poirot, Georges Simenon e as coletâneas de Alfred Hitchcock. Ah, Robert Bloch também! – e finalmente “crônicas”. Ler caras como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Lourenço Diaféria, Fernando Sabino (não o julguem por “Zélia, uma paixão”, por favor) e Luis Fernando Veríssimo me fizeram pensar que era fácil escrever como eles. Pra utilizar uma expressão utilizada por um amigo, capaz!
Vi o blog como a forma de expressão ideal, sem passar pelo crivo de um editor ou de leitores sub-reptícios (ih, por que o floreio? Um bando de bisbilhoteiro mesmo!). Entre 2002 e 2003 mantive um diário confessional (sem link, é verdadeiro demais e certas verdades só podem ser ditas a algumas pessoas) que me permitiu ter uma rede de poucos e bons amigos (em Português, networking) que mantenho até hoje. Entre hiatos causados tanto pela falta de tempo quanto pela falta de dinheiro e a falta de um computador à grande rede sempre houve, em maior ou menor número, algo escrito por mim e lido pelos poucos e bons amigos.
De uns anos pra cá, contudo, alguns cérebros privilegiados foram seduzidos pela liberdade que o blog oferece. Jornalistas, ensaístas, escritores, atores... e o que era apenas “curtição” transformou-se em “quinto poder”. Muitos ganham a vida, literalmente, blogando; outros usam os blogs como meio de veiculação de notícias; blogs são quase trincheiras de batalha pela liberdade em alguns países não tão democráticos (embora o caso da famosa modelo com o Você Tubo tenha feito nosso vívido país regredir a níveis medievais jurídica e democraticamente falando). Enquanto isso, meu blog descreve apenas... minhas coisas. O que me fez pensar qual é a utilidade de meu diário.
Dia desses estava pensando nisso e comecei a me lembrar de momentos vergonhosos de minha vida, ridiculamente comuns e quase todos com o mesmo roteiro. O início é sempre em uma calçada qualquer.
(Estranho esfuziante) – Sidnei!!!!
(Eu, estupefato, porém com um sorriso no rosto) – Oi, tudo bem?
(O estranho, animado) – Nossa, há quanto tempo! Você não mudou nada, hein?
(Eu, assustado, mas ainda sorrindo) – Pois é, rapaz. E você, como vai?
(O estranho, cada vez mais falante) – Bem, tô bem. Estou trabalhando na (...) desde que eu saí da (insira uma empresa onde trabalhei até 1996), rapaz. E você, hein? Ainda fortão, gordão, que nem quando você fazia (insira uma atividade braçal qualquer)! Tem visto Fulano de Tal?
(Eu, prestes a ganhar um Oscar de melhor ator) – Não, faz teeeempo! Na verdade, perdi contato com a maioria do pessoal da (empresa).
(O estranho, à guisa de despedida) – Falou, Sidnei, deixa eu ir. Bom te ver, rapaz, não suma!
Quando esse diálogo finda, fico parado longos segundos me perguntando: quem cazzo é esse cara? O estranho sabe meu nome e sabe onde trabalhei e minha memória não liga o rosto dele a nenhum evento. Por muito tempo achei que o problema fosse apenas falta de sinapses, algo puramente físico. Na verdade o problema é outro.
Um dos personagens de John Steinbeck em “A Rua das Ilusões Perdidas” tem sua mente descrita como “um museu repleto de peças não-catalogadas”. Minha infância autista, repleta de amigos imaginários e minha adolescência ensimesmada criaram uma barreira onde não havia nomes e rostos, fatos relevantes e possibilidades mnemônicas. Hoje tenho um amontoado de fantasmas que resolveu me assombrar, me chamando pelo nome e detalhando algumas peculiaridades.
Esse blog, mesmo inconscientemente, tem o firme propósito de catalogar minhas lembranças e transformá-las em algo memorável. De certa forma é um objetivo nobre. Pessoal, mas nobre. A escolha do nome do blog tem a ver com isso, mesmo que antes isso não estivesse claro. Quem sabe, num futuro quiçá conectado em minha casa, eu não me torne alguém com algo a dizer além de minhas próprias coisas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário