Muitas pessoas adoram seus animais de estimação. Algumas a ponto de fazer dos pobres versões peludas dos seus filhos. Tomo como exemplo meu tio e seus cães e gatos. Não, ele não tem vários no quintal; me refiro a todos os animais desde meus tenros anos (mais precisamente desde 1973, o primeiro ano que me lembro de existir). Ele nunca se ateve ao princípio da posse responsável, termo que aprendi lendo uma revista (acho que a Vida Simples). Todos os pobres animais, sem exceção, adquiriram alguma "psicose". Ou urinavam e defecavam em lugares inapropriados (um gato achava que debaixo de minha cama havia uma caixa de areia. Toda noite tinha que limpar e desinfetar o local), ou uivavam sôfregamente na ausência de meu tio pra mais tarde ganirem alto e irritantemente quando ele chegava, ou destruíam algo no quintal - já tivemos a fase dos chinelos, a fase das roupas no varal, a fase dos vasos de comigo-ninguém-pode (ah, podem, sim)... - , entre outras atitudes. Como meu tio nunca prezou pela constância, ele agia com os animais de acordo com a fase da lua. Ora extremamente benevolente, permitindo que os cães e gatos dormissem em sua cama, ora desmedidamente cruel, como deixá-los sem água e comida por períodos longos "de castigo".
Dia desses, num dos monólogos entre ele e eu (ele fala. Pra caramba. E eu ouço. Murmurando duas ou três frases), ele comparou o atual bichinho dele - um vira-lata de pêlos pretos de nome Braddock, vê se pode - a um filho que ele jamais teve. Um companheiro fiel que jamais o trairia, diferente de alguns seres humanos que ele conheceu. Ouvindo aquilo, não pude deixar de notar o paradoxo desse tipo de pessoa insegura. Não confia nos seres humanos mas não deixa o convívio com eles em nenhuma hipótese.
Gosto de seres humanos. Creio já ter dito isso, senão aqui, em outra encarnação de meu blog. Não sou estúpido para não reconhecer o valor dos animais de estimação na vida de algumas pessoas; só não estou a fim de usar um bicho como, por exemplo, fonte de renda. Ou como muro de lamentações para minhas neuroses, que apesar de sob controle estão lá, prontas para emergir num descuido meu. Não tenho o perfil para ter um animal que vai precisar de preciosos momentos para ser amado e cuidado, pois gosto de aprender com os seres vivos com quem convivo.
Se algum fundamentalista retrucar dizendo que aprendemos, sim, com o companheirismo de um animal, não estou me referindo à parte boa e doce da vida. Receber afeto sem ressalvas de um ser vivo não requer prática; a não ser que você seja um irremediável masoquista, as pessoas gostam de carinho. Como o mundo fora do conforto das paredes é bem mais complexo do que trocar o alpiste da gaiola de um curió, é preciso aprender algo mais difícil: gostar desse ser bípede, com membros inferiores que terminam em pés e membros superiores que terminam em mãos, com um cérebro reptiliano rodeado de periféricos sofisticados (pense num computador antigo e suas versões 2.0, 5.0 e assim sucessivamente) e invariavelmente diferente de você, seja na superfície, seja nos contornos internos do que alguns otimistas chamam de alma.
O ser humano não vai receber você abanando o rabo e lambendo seu rosto; pode até ouvir suas palavras de alegria ou lamento mas vai querer recirpocidade. Alguns seres humanos vão traí-lo, outros tentarão matá-lo por um par de tênis ou pelo real esquecido no fundo do bolso. Outros dirão que os dogmas que eles pregam é a verdade absoluta do universo e ai de você se não obedecer. O ser humano é muito mais difícil de ser (se esse blog fosse melhor visitado, o que vou escrever aqui seria alvo da maior polêmica dos últimos tempos da última semana) domesticado. Por isso, com eles, adotamos instintivamente métodos de posse responsável. Quando casamos ou juntamos os trapinhos. Ou quando construímos elos de amizade. Ou quando temos que conviver com aquele chefe idiota, o colega de serviço inconveniente, o estranho que não respeita a presença alheia na calçada ou no ônibus.
Com esse bicho autodenominado racional (somos pernósticos, ainda por cima!), aprendemos a viver, para o bem e para o mal. Se não somos capazes de tentar conviver com quem fala nossa língua, como poderemos abrigar sob nosso teto um ser vivo que se entristece e fala "au au" ou "miau", que está com fome e fala "au au" ou "miau"? Por isso decidi não ter sob minha responsabilidade mais um animal. Sei que seria um péssimo dono por não saber interagir com suas necessidades básicas e não ter um questionamento que me faça procurar um dicionário ou o Google.
Não sou um bom aluno, mas gosto de aprender. Acho que não seria de bom tom aprender como cheirar o traseiro das pessoas. Se bem que esse lance de jogar areia em cima da merda é interessante...
2 comentários:
não será explicação demais pra justificar a falta de vontade de ter um bicho? Eu amo minhas cachorras. E amo um monte de gente. E não consigo achar nenhuma explicação pra isso. É bom, só. Me faz bem. Se faz bem aos cachorros não sei. Pelo abanar dos rabos e lambidas eu diria que sim. Mas também pode ser que não.
Um abração
yes
rs
:-)
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