Sinto saudade da rua Projetada. Visto com os olhos de hoje essas lembranças parecem vindas de uma realidade alternativa, mas minha rua, assim como muitas, antes de ter um nome oficial se chamava apenas Projetada. A terra avermelhada batida onde, para desespero das mães, eu e muitas outras crianças jogávamos bola, brincávamos de pique-esconde, mãe-da-rua ou balança-caixão (e se você não sabe do que estou falando, jogue isso no Google e descubra). As touceiras de capim-gordura, os cheiros da poeira e da chuva, puros e sem aditivos, os coquinhos de indaiá. As casas separadas por cercas de bambu amarradas precariamente e os vizinhos com seus comentários "sábios" sobre a vida, emaranhados de lugares-comuns ora bem vindos, ora amaldiçoados. Uma compreensão geográfica limitada mas compensada com toneladas de imaginação.
Sinto saudade dos programas de rádio que era obrigado a ouvir. Zé Bettio e seu arsenal de músicas caipiras, e uma provocação pessoal (pelo menos para mim era MUITO pessoal) que ele fazia depois de chamar a vaca Mimosa: não havia um mísero dia em que ele não falasse pra nonna (quem era essa tal nonna, perguntava eu para mim mesmo antes de descobrir o que era essa palavra) jogar água no gordo! Eli Correa e seu bordão "oooooooooi, geeeeeenteeeeeee!", seu populismo e suas histórias tristes. Lá ouvia-se muito Fernando Mendes, Márcio Greyck, Paulo Sérgio e Roberto Carlos. O terror dos terrores, Gil Gomes e sua voz aterrorizantemente anasalada a narrar as agruras do mundo cão, o preferido do meu pai e claro, meu preferido, "A volta do sucesso", com Altieris Barbiero, o principal responsável por amar tardiamente a Jovem Guarda.
Sinto saudade do forno de barro em meu quintal. Os pães feitos naquele forno eram deliciosos. Demandavam cuidado artesanal, como tudo na longínqua década de 1970, onde quem era pobre tinha que se virar e o fazia magistralmente - diferente de hoje, mas abafa o caso - : deixar a massa homogeneizada com força e carinho crescer debaixo de uma manta Parahyba, cortar pedaços cuidadosos e deitá-los em folhas de bananeira que iam ao forno previamente aquecido - não, não se ligava o gás, crianças; acendia-se a lenha - e aí esquecíamos um pouco dos bolinhos, que logo viravam pães dourados, macios e insequecíveis.
Sinto saudade da minha classe de primeira série na EEPG Benedita Wagner de Campos. Ficava perto do pátio da merenda, longe de todas as outras. Era uma bobagem, mas dava uma impressão de exclusividade... foi lá que aprendi a escrever, pois ler eu já sabia. Dona Sandra (não, ela não era minha tia) trazia letras de mão pontilhadas para que eu pudesse exprimir o que eu já sabia interpretar com os olhos. O DNA de minha letra veio de um capricho de um professora, veja você.
Sinto falta dos especiais do Roberto Carlos da década de 1970. Talvez fossem as músicas, numa fase onde ele não era o pastiche autoritátio de hoje. Talvez fosse a mão do finado Augusto Cesar Vannucci. Talvez fosse a inexistência de concorrência. Não sei. Mas eu adorava ver aqueles proto-videoclipes.
Sinto falta dos videoclipes. Desde aqueles do Fantástico, onde sempre apareciam os olhos de quem estavam cantando num close, se movimentando da direita para a esquerda, passando pelos clipes do programa Clip Trip da TV Gazeta (moderno até a medula! Via desde pérolas do britpop até o início do rap mainstream) e os bonecos da cópia da Globo, o Clip Clip, inventor da nefasta mania de editar os vídeos. Sonhava em assistir à MTV, mas as antenas de UHF não pegavam bem aqui na cidade.
Sinto falta da She-Ra e do He-Man. Do Pernalonga e do Patolino. Dos Trasnformers. Dos Thundercats. Do Toro e do Pancho. Da Cobrinha Azul. Da Super Máquina, mas não do David Hasselhoff - acredite, gostava do Kitt por causa da voz do Isaac Bardavid. Do Cannon. Da Dama de Ferro. Das Sessões da Tarde com filmes da década de 1950 e 1960. Dos filmes de Jerry Lewis e do Elvis. Deus meu, sinto falta até do Bozo!
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