28.2.07

Sempre antes dos 30

É vergonhoso admitir, mas sou o tipo de solteiro que sequer conheceu a dor e a delícia de um relacionamento. Serei repetitivo mas o principal responsável por isso foi meu isolamento. Como o meu mundo particular bastava, pelo menos entre meus 5 e 16 anos, não me relacionava com ninguém.

Houve alguns lampejos de tentativa externa e interna. Na primeira série uma menina loira foi minha colega de classe e ela sempre me acompanhava à escola. Fazíamos as lições sempre juntos, eu a ouvia tagarelar enquanto desfilava minha lista de monossílabos. Como nunca me manifestei acintosamente ela se afastou naturalmente e meu mundo voltou a ser preenchido por monólogos e personagens fictícios. É estranho que ela seja uma lembrança recorrente.

Em 1982 meu infinito particular (caramba, não é a primeira vez que Marisa Monte me ajuda a expressar sentimentos!) não foi forte o suficiente quando cabelos dourados e olhos verdes invadiram meus olhos. Meus personagens se esconderam em armários e gavetas quando ouviram a voz da menina mais bonita da cidade, quiçá do mundo. Quando a beleza dela esvaiu-se como areia, meus amigos imaginários, traídos, me abandonaram. Sobrou a solidão do pôr-do-sol à sombra das mangueiras.

Em minha adolescência meus colegas eram os livros da biblioteca e um ou outro parceiro de trabalho que me tinha como psicólogo, conselheiro amoroso (isso sim é ironia!) e muro de lamentações, nunca como amigo. Minhas caminhadas se intensificaram e meus amores platônicos também. Faltava-me, como ainda me falta, coragem para abordar alguém e cara-de-pau para falar sobre qualquer coisa. Achava que era timidez, era apenas inadequação.

Bailes? Danceterias? Barzinhos? Nem vícios que socializam adquiri. Não fumo, só bebo em meu aniversário e nos fins de ano, não cheiro e não sou uma máquina sexual - meu auge foi entre meus 18 e 22 anos. Me tornei um chato que só achava guarita no desejo de ser ouvido dos homens idosos. Meus melhores amigos até hoje têm mais de 50 anos; hoje,quem me conhece admira a paciência que tenho com homens e mulheres da chamada terceira idade. Não é paciência, é gratidão. Infelizmente isso não ajuda muito no quesito amoroso.

Meu primeiro beijo (estou falando de BEIJO, chupão, troca de saliva, línguas roçando...), dei aos 32 anos. (...) Tá. (...) Ok. (...) Certo (...) Já pararam de rir? (...) Não, ainda não. Tudo bem, eu espero.

(...)

Já? Obrigado. Aham, continuando. Foi um beijo confuso. Do outro lado alguém que imaginava alguém com quilometragem avançada; do meu lado o medo de fazer merda. Afinal, tinha encontrado alguém que me achou bonito (definitivamente há gosto pra tudo mesmo!) e disposto a me beijar. A confusão só durou o exato segundo entre o aproximar e o beijo propriamente dito. E ele foi...

Longo. Profundo. Quente. Inédito. No fim me perguntei como pude me privar disso por tanto tempo e tomei a iniciativa, sedento. E pela primeira vez me senti completo. Durante os minutos que o beijo durou tudo se preencheu de um sentido jamais imaginado. A questão inevitável foi feita: como recuperar o tempo perdido?

Não se recupera. Simples assim. Enquanto meus contemporâneos casaram, tiveram filhos e se vasectomizaram, mantive meus beijos reduzidos e minha inadequação em níveis adolescentes. O sexo foi tardio mas feito (e bem feito, diga-se de passagem), porém sexo não necessita de envolvimento emocional, não importa o que é dito em lindas mensagens roubadas do século 19. Agora é tarde demais para que alguém se interesse; após os 30 anos, tenho que me contentar ou com a solidão ou com uma companhia desejosa de algo físico, material.

Não, meus queridos e irascíveis leitores, não é pessimismo, tampouco conformismo. Vocês não estão falando com alguém que teve e não tem mais, por isso se amargura. Sou alguém que nunca teve nada e nem sequer pode imaginar o que é. O que tenho hoje é apenas fruto de anos de autismo social. Por isso, se tiver que ficar só, ficarei. Se alguém quiser meus lábios e meu corpo adiposo, terá. Agora, se quiser dinheiro... vou gargalhar na cara!

Talvez, quando eu tiver sessenta anos, pele enrugada, cabelos totalmente brancos, alguém, movido pela ternura ou pela minha aposentadoria, resolva fingir que me ama. Eu, que nunca fui muito esperto quando um ser humano diz palavras bonitas, vou acreditar que o mundo é bom e a felicidade até existe. Se o inglês e/ou o alemão resolverem me visitar permanentemente (Parkinson ou Alzheimer, meus queridos) será mais fácil para quem quiser a senha de meu cartão. Basta dizer “oh, que bonitinho” e me derreterei. Sim, é um futuro promissor.

5 comentários:

Lamour disse...

Hahaha (...)
Estou rindo até agora. Muito bom mesmo. Estou rodando por aí, a procura de histórias divertidas, e é claro, significativas, como a sua.
Gostei da meia dúzia de palavras que você escreveu.
Abraços

Anônimo disse...

blog tem essas vantagens, voce pode chegar aqui, contar a historia de sua vida pra pessoas que voce nem conhece e ganhar admiradores pela pureza das palavras e pela verdade das intençoes.

gostei daqui. =)

Anônimo disse...

Emocionante seu texto. É algo por que muita gente passa (eu também, em certa medida), mas ninguém fala, porque nesse caso é melhor mentir ou simplesmente varrer pra baixo do tapete. Parabéns pela sinceridade! Ah, e mesmo que não tenha perguntado: acho que não precisa ficar tão resignado. Dá pra fazer muita coisa ainda. Principalmente a partir dessa consciência do tempo que perdeu. A primeira barreira é quase sempre a mais difícil de derrubar. Avante!!!

Anônimo disse...

Não vi nada de engraçado nisso, como escreveu o Lamour. Eu te entendo perfeitamente, amigo. Teu texto foi muito corajoso. E concordo com o Caio: ainda é tempo. O grande problema é encontrar energia para investir nisso. A questão da beleza é relativa, o que pega mesmo é nossa postura em relação ao outro. A inadequação é um fato? Junte-se á mulheres inadequadas...rs

abraço

Vivien Morgato : disse...

Cara, eu to surpreendida.
Sempre digo pras minhas amigas que homem só fica sozinho quando quer, porque somos uma legião gigantesca ( e interessante).
O texto está intrigante.Bacana.