Você
já teve o dissabor de alguém, geralmente um parente muito próximo,
ter desencavado para pessoas externas ao convívio familiar fotos
comprometedoras da infância – tipo “pagando bundinha com as
fraldas caindo”, “cara de choro ao ser contrariado por alguma
bobagem” - ou histórias que só fazem sentido em contextos
terrivelmente pessoais? Quem já teve desnudada essas passagens sabe
que, por mais cuca fresca que sejamos, a vergonha é um sentimento
inevitável.
Mas
se antes estas passagens nada abonadoras costumavam ater-se ao
círculo de amigos íntimos dos pais, o que restringia o vexame aos
bares, igrejas, templos, sinagogas e praças do entorno – e é
MUITA coisa para algo tão vexatório quanto um episódio que envolve
alguma idiossincrasia pueril – elas tomaram de assalto qualquer
pessoa no planeta que tenha acesso a Internet e assista ao YouTube.
Se
o objetivo inicial era apenas perpetuar a gracinha vergonhosa de uma
criança ou adolescente e mostrá-la, não sem uma nesga de
crueldade, aos parentes apenas com um clique, hoje busca-se a
notoriedade da web. Depois que deram cria a uma criatura chamada
“vídeo viral”, a internet notabilizou-se em esculpir em pedra o
adágio fanfarrão de Andy Warhol. E dá-lhe crianças discutindo
sobre o sentido da vida sob os efeitos do óxido nitroso, bebês
grunhindo gracinhas ininteligíveis, emulando o movimento de pernas
de Beyoncé ou chorando por causa de uma formiguinha morta.
O
problema que ninguém consegue visualizar, por estar aparentemente
tão distante, é: e depois? O que a adorável criança fará quando
crescer, ter seus próprios valores sobre o que é engraçado ou não
e ter que conviver à sombra de um vídeo viral? Crianças não são
psicologicamente preparadas para este tipo de exposição
simplesmente por ainda não terem amadurecido – e é por isso que
são CRIANÇAS. Não que eu vislumbre um futuro distópico onde
adultos traumatizados por terem sua intimidade pueril devassada pelo
mundo extravasam sua raiva, frustração ou qualquer reação
Jungiana ou Freudiana que o valha através de atos de extrema
violência.
Esse
seria, acreditem, o melhor dos futuros possíveis. Porque casos assim
são resolvidos rapidamente, seja pela força da lei, seja pela pena
de Talião que todos condenam abertamente mas exultam a cada
reportagem de um programa mundo-cão qualquer. Estas crianças
vilipendiadas em seu direito divino de ter privacidade podem vir a
ser formadores de opinião ou lideres carismáticos, que poerão usar
sua influência e poder para devassar, tripudiar, envergonhar e
lucrar com as vergonhas alheias. E tudo isso com a anuência de uma
geração que se habituou a achar que privacidade é “babaquice”
e que vergonha alheia é engraçado.
Talvez
fosse a hora de pensarmos mais a longo prazo, sem a urgência que
esta geração tanto preza. Nem todos se sentem confortáveis sendo
motivo de chacota para uma audiência cada vez maior e mais voraz. E
por mais que uma gracinha infantil tenha seu encanto, ele é fugaz
perto dos efeitos imponderáveis do futuro que não tarda a vir.
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