Sábado,
8h.
Feno,
ração, um pouco de capim fresco. Vitinha, como foi apelidada por um
funcionário do frigorífico, rumina calmamente e seus olhos pretos
mantém-se fechados como se saboreando o repasto que foi depositado
no estéril cocho onde ela e mais vacas se alimentam. Muitos apreciam
a quase simétrica disposição de suas pintas pretas em seu corpo
branco, além de sua calma zen que inspirou muitos trabalhadores a
serem vegetarianos.
Mal
sabia Vitinha que aquela seria sua última refeição.
Sábado,
10h30min.
Paula
volta com a caminhonete vazia. Cheia, pelo menos até a ida ao banco,
só a pequena sacola com o resultado da venda dos pés de alface.
Mais do que satisfeita com a negociação, ela olha o pai e os irmão
já preparando o terreno agora vazio onde outrora se encontravam as
vicejantes hortaliças. “Vão plantar mais alface?”, ela pergunta
.
“Não,
filha. Talvez um pouco de rúcula agora”.
Sábado,
12h43min.
Os
eixos passam trêmulos pela balança na rodovia. Tudo certo, hora de
aumentar um pouco a velocidade pra chegar logo ao destino. Cícero
puxa pela memória uma época que parece tão distante, onde ele
colhia os grãos de feijão e arroz debaixo do sol inclemente e os
levava na “cacunda”, como dizia sua mãe. Hoje, ao dirigir o
caminhão repleto de sacos destes grãos, ele fala sozinho enquanto
ouve Fernando e Sorocaba no rádio.
“Essa
molecada não tem ideia do que é trabalho!”.
Segunda,
9h37.
Leitor
óptico de código de barras na mão, Lucinda vai dando coordenadas
que aos ouvidos dos motoristas e carregadores parecem descoordenadas.
“Não tem noção de logística mesmo”, pensa entredentes e com
uma certa empáfia a encarregada de recebimento de materiais. A carne
vai pra câmara frigorífica. Vitinha está entre elas. Legumes e
verduras? Ali. “Puxa, vou levar uns pés desta alface pra casa, tá
bonita!”, admira-se Lucinda. “O arroz e o feijão já pode deixar
por aqui mesmo. Dia de pagamento”.
Cícero,
ao longe, engole um café retirado da pequena garrafa, distraído.
Segunda,
18h48min.
“Droga,
perder a novela das seis pra fazer compras, ninguém merece...”,
resmunga Douglas enquanto pega um carrinho. No açougue, coxão duro
e bife de patinho. “Ô chefe, tá uma facada o preço da carne,
hein?”. “E olha que nem passou na minha chaira, patrão!”,
diverte-se o açougueiro, já moendo a carne da próxima freguesa. O
arroz tá perto das embalagens de óleo. “Droga, a alface tá meio
murcha. Vai assim mesmo, quem manda ela não vir mais cedo?”. Ele
mentaliza o cardápio e já sabe o que vai pedir para Norma fazer.
“CPF
na nota, senhor?”.
Quarta,
10h18min.
Douglas
sempre se diverte com o que lê escrito no banheiro do trabalho. E
não adianta os chefes chamarem a atenção; frustrações mal
resolvidas entre subordinados e subordinantes não criam a coragem da
palavra dita. “Pior que eu reconheço a letra desta aqui sobre o
Artur!”, ri sozinho. Fim das atividades escatológicas. Papel,
descarga. “Minhas tripas são um reloginho”, orgulha-se, enquanto
lava as mãos.
O
alimento vai transformar-se em energia motora e sensorial. Pois bosta
ele já é.
Entre
o sábado e a quarta, a mangueira próxima ao supermercado deixou
cair algumas folhas, viu algumas pétalas darem adeus e não teve
trabalho algum para captar a luz solar que que penetrou nos estômatos
e transformou-se em alimento. Como subproduto, ela expele oxigênio e
galhos e folhas secas transformarão em húmus, que alimentarão as
próximas vacas e e os próximos pés de alface, arroz e feijão.
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