29.9.06

Glicerol e ácidos graxos, parte dois

A raiva já passou. Em meu antigo e curto blog fiz um “manifesto” sobre a cultura da magreza que grassa a sociedade. Foi escrito com raiva e não me dou bem com ela, sabe? Costumo perder o controle. Bem, vamos começar do zero.

Sou um cara obeso desde que me conheço. Uma criança gordinha (nunca dei a entender, mas odiava quando me chamavam de “fofinho”. Hoje, dependendo de quem diga, eu curto. Vai entender...), meio desligada e feliz. Não era do tipo glutão, nunca fui. A dieta de minha família era frugal: chá ou café de manhã, pão três ou quatro vezes por semana, arroz, feijão, alguma verdura, carne de frango caipira ou um embutido barato ou um bife. Doces eram raros, graças ao preço proibitivo tanto do açúcar quanto dos doces naquela época (pelo menos para nossos padrões), o que não impedia minha avó de preparar o mais delicioso doce de abóbora do universo.

O estilo de vida – termo utilizado em larga escala hoje, geralmente como muleta sintática – da família Trindade era o habitual dos seres periféricos: trabalho pesado e distâncias percorridas a pé. Como eu não sabia andar de bicicleta, caminhava pela cidade alucinadamente. Pedi aos meus pais para me matricular numa escola no centro da cidade, o que me garantia uma hora de caminhada por dia.

Não gostava muito de esportes. Tentei ser goleiro de futebol de salão nas aulas de Educação Física. Apesar de meu esforço não consegui ser contaminado pelo vírus ludopédico. As corridas em volta da escola (em Português, Cooper. E não me venham com aquela piadinha do Cooper feito!) eram uma caceteação sem fim. Não tanto pela corrida em si, mas pelas frases de apoio de meus colegas, mimos do quilate de “olha o toucinho correndo!”, “balança a banha, gordo!”.

Meus empregos foram braçais até 2005. Muito esforço físico e suor desprendidos em troca de meu salário. A frase bíblica do pão em troca da transpiração foi literalmente vivida por meus colegas e por mim. Ou seja, sou a antítese do estereótipo do gordo sedentário. Não sou sedentário. Mas sou gordo.

Não serei estúpido para negar os malefícios da obesidade. Há doenças demais ligadas a ela para que isso seja ignorado. O que me incomoda é o uso estético da “boa forma”. Os gordos foram alojados em guetos engraçadinhos ou fisicamente incapazes; a eles (ou a nós) são reservados os procedimentos cirúrgicos invasivos, as dietas de 1200 calorias e os coquetéis de benzodiazepínicos.

O que me incomoda é a simplificação. Falar que “obesidade é doença” é renegar a multiplicidade humana apenas porque alguns acham a gordura feia. Quem tiver problemas de saúde com o excesso de gordura tem que tratar. Quem for gordo e quiser emagrecer, que apele para os exercícios, dietas e diazepams da vida. Analisem antes de rotular.

Agora com licença. Se somos o que comemos, hoje eu serei uma pizza quatro queijos regada com suco de caju!

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