1.9.07

Três fitas vermelhas

Cinco dias após meus aniversário, reflito sobre tudo o que sempre refleti nessa época do ano. Pensei em postar algo no dia 27 de agosto. Algo rápido e emocional, já que agora escrevo diretamente no quadro de postagens do Blogger, sem direito a revisão e arrependimentos. Decidi não escrever nada; a tal lâmpada da inspiração não brilhou sobre mim. Como estava no meio de minhas férias trabalhistas, saí um pouco para ver o que o mundo tinha a me oferecer. Vi uma senhora quase caindo sobre sua bengala, um carro reluzente buzinando para mim, o sol fazendo marolas de mormaço, gente demais nos bancos da praça. E vi um menino segurando alegremente um pacote azul com detalhes em veremelho e laranja.

Um presente. Segundo os dicionários, além de ser um dos tempos verbais, é uma dádiva, um dom, uma oferenda. Veio até mim os aniversários de minha infância e adolescência. Bolos raros, e geralmente feitos com capricho pela minha mãe com o que tínhamos: trigo, um achocolatado ganhado da patroa dela, um doce de leite feito em casa para rechear, as claras em neve para cobrir (que mané chantili, meu amigo, isso não nos pertencia!). Refrigerantes ainda mais raros, comprados apenas naquelas ocasiões - garrafas de 600 ml da marca Bacana, me lembro bem disso. Agora, presentes...

Não se pode chamar de presente uma compra feita por obrigação paterna e/ou materna, como as indefectíveis roupas e sapatos. Os aniversários eram momentos perfeitos para se comprar essas coisas; dava-se a ilusão de um mimo à imposição, sempre lembrando que "dinheiro não nasce em árvore, por isso cuide bem da bermudinha e da camisetinha!". Por me acostumarem a unir praticidade a algo que deveria ser lúdico me habituei a não ganhar nada de ninguém. As coisas que tive foram sempre recompensas. Fui ao mercado para comprar algo? Toma, um cruzeiro. Trabalhei para ganhar meu próprio dinheiro? Agora posso comprar meu Atari. Já paguei as contas do mês? Beleza, estou liberado para comprar um pacote de cuecas!

Em 2001, esse mundo estéril sofreu uma fecundação inesperada. Trabalhava em uma multinacional fabricante de autopeças (putz, pareço a Rede Globo... não é mais fácil digitar "Trabalhava na Mahle Miba"?). Era mais um operador de produção, trabalhando febrilmente e tentando passar sob o radar do corporativismo. Isso não me impediu de forjar uma boa amizade com as quatro únicas mulheres que trabalhavam no setor que eu estava. Uma ajuda física aqui, um ouvido amigo acolá, risadas fartas. Tudo absolutamente natural. Mas naquele 27 de agosto, elas me aprontaram uma falseta. Me chamaram "para pegar uma caixa de bielas pesadas" e fui surpreendido com saudações de felicidade, paz e bonança e uma sacola. Do lado de fora da sacola, um bilhete com uma fábula sobre as atitudes que tomamos na vida. Dentro, uma camiseta. Não era uma obrigação. Ninguém me disse para tomar cuidado. Era uma dádiva. Quis dizer obrigado, mas a garganta ficou muda e seca como o deserto de Atacama. Fui ao banheiro chorar um pouco.

Meu primeiro presente. A sensação foi assustadora e boa ao mesmo tempo. Uma voz interior, contudo, disse de maneira terna e sábia: "não se acostume". Resolvi ignorá-la e curtir esse turbilhão. A camiseta, furada e puída, ainda está em meu armário e em meu torso.

Mas a voz não tinha se enganado. E após o nascimento, o mundo infértil voltou a aflorar. Nada que me angustiasse; já sabia o sabor do presente ganho, o hedonismo do embrulho caprichado. Se um dia eu ficasse triste, bastava a camiseta em mim e todas as lembranças me inebriavam. Só que não houve tempo hábil para a desertificação total.

No dia 24 de fevereiro, último dia de minha estada em Porto Alegre, Fernando, meu anfitrião, enquanto conversávamos sobre o quanto aqueles dias tinham sido bons (estou sendo econômico... foram sensacionais!), do nada resolveu me dar um dos livros de sua estante: "Devassos no paraíso", de João Silvério Trevisan. E com uma dedicatória! Consegui dizer "obrigado", mas achei insuficiente. Não consegui dizer mais nada e agarrei aquele livro, imaginando se aquilo era apenas uma névoa onírica ou real. No mesmo dia, fui me despedir do grande Janio e entre abraços e promessas ele me deu MAIS UM LIVRO! Graças a uma noite de pequenos toques nos pés, ele me deu "O novo livro de massagem", de Lucy Lidell, "para que pudesse aperfeiçoar a técnica".

Três presentes. Três dádivas. Dar presentes é algo que não me é estranho. Mas recebê-los é de um ineditismo delicioso. As lembranças que eles proporcionam são vívidas demais. E não me importa mais a voz da razão me dizendo para não me acostumar. Basta que eu abra meu armário ou leia e sinta o cheiro do papel. Bastam o momento fugaz e a lembrança perene.

Feliz aniversário, Sidnei.