5.12.08

Capítulo 1 - A espera

Um choro tímido, já no final do café, anuncia a presença de Cícero. "Caramba", pensa Homero, ainda em estado de choque, "ele ainda é um bebê!". Dona Lívia se levanta e vai na direção do lamento. Homero olha embevecido sua mãe caminhando, ainda digerindo tanto o pão quanto sua presença nesse recanto que deveria pertencer apenas às suas já esparsas memórias. "Ainda bem que fui um moleque calado; ninguém vai estranhar esse meu silêncio", mentaliza, quase se refugiando em seus pensamentos.

Cícero aparece no colo, olhos remelentos, fungando o choro que já não bradava mais. Dez meses, e aquele rosto sem os vincos precoces do cigarro e da bebida que ele tão bem copiou de seu Lucas, o olhar ainda vívido de inocência, as quase palavras ditas (algo como "mã, tadatabati") que deixaram dona Lívia preocupada quando, aos dois anos, ele se recusava a dizer algo inteligível. Termos como "fonoaudiólogo" passavam longe do vernáculo daquela família, mas ela pensou seriamente em "levar esse menino pro médico". O grande problema é que essas lembranças ainda não ocorreram...

Antes que sua mente fundisse, ele mastigou mais um naco de pão ("nossa, não era só uma lembrança boa. Isso é uma delícia mesmo!"), tomou o leite numa caneca que só viria a encontrar seu destino final em 2001, furada e abandonada e disse, timidamente:
"Mãe, pai, posso ir lá fora agora?". Mais um momento desconcertante: sua voz aguda, fiapo pueril que ele se esforçou para não estranhar mais do que já havia estranhado.
"Vai, filho. Cuidado com os estrepes e os pregos das madeiras que o seu pai deixou". A voz de dona Lívia sempre servia como a voz do seu Lucas, que raramente dizia algo que não fossem alguns resmungos sobre o trabalho, o Palmeiras ou alguma queixa genérica.
Homero foi lentamente, meio receoso com o que iria encontrar ao sair pela porta da cozinha. Era só o quintal, mas o quintal ainda de terra batida, o pé de banana, o pé de mexerica, o pé de laranja, a pequena e farta horta, o forno de barro onde o pão que acabara de comer foi assado. "Meu Deus, é a vó Antonia varrendo o quintal!", murmurou, horrorizado. Olhou para ela e para a casa contígua, onde ela e seu tio Dorival moravam.
"Omério, já tomou café? Vem comer um pedaço de angu, minino!". O chamado era o mesmo, o cheiro do pó levantado pela vassoura de mato igual, mas nem de longe era um dèjá vú. Cada vez mais aturdido, conseguiu balbuciar algo com as palavras "brincar" e "rua" e saiu correndo pela rua. "Cadê o asfalto? Cadê as casas? Quando vou acordar desse sonho maluco?".

Quando ele chegou onde deveria haver o Jardim Rondon, ele tropeçou em uma pedra e caiu pesadamente na grama, não sem antes torcer o pé. A dor foi imediata, e tudo o que ele disse foi o que ele sempre fala nesses momentos.
"Puta que o pariu!"
Ninguém ouviu seu palavrão de estimação. As casas do bairro ainda estão em construção e ainda havia grandes espaços vazios, com capim-gordura e carrapichos, pés de mamona e coqueiros-indaiá. Enquanto o pé lateja, vem a revelação lógica da situação. "Nos sonhos não há dor física, só a angústia. Então eu REALMENTE estou em 1977!".
O latejar perdeu a importância enquanto ele se sentava na grama e observava. O cérebro simplesmente não se permitiu funcionar, assentando-se na certeza de algo que parecia impossível. Não foi possível determinar o tempo desta prostração, mas quando ela acabou, Homero se levantou rapidamente, bateu o pó e as folhas secas de grama e começou a caminhar. Quando ele chegou à sibipiruna que foi arrancada em 1989 para a construção da praça Adélia Zocatela, parou, respirou fundo e começou a falar só, para se acostumar ao tom de sua voz.

"Ok. Isso não é um sonho, não é um episódio de Além da Imaginação, não apareceu nenhuma criatura divina, demoníaca ou extraterrestre. Vamos nos ater aos fatos: eu estava em minha cama, depois de um dia cansativo de trabalho. Era 23 de agosto de 2009, tinha acabado de completar 40 anos e sofri um ataque cardíaco. Ou pelo menos acho que foi!".
"De repente... isso. Caramba, depois de um piripaque desses, eu deveria é ter morrido, ou sofrido sequelas. Isso é loucura, mas está acontecendo. Minha mãe, meu pai e minha vó, vivos! E essa é a Acaratuba antes da industrialização e da especulação imobiliária".

Uma garça aparece voando na direção do córrego Itambé; a ave que dá nome à cidade voando parece uma pintura branca no fundo absurdamente azul. "Tá, isso não é um acesso de loucura, estou aqui, sou uma criança e mantenho minhas lembranças e vivências dos quarenta anos que ainda não vivi... minha nossa, isso tá confuso demais! É paradoxo em cima de paradoxo. Vi, cheirei minha mãe morta em 1994, meu pai tava lá, fumando aquele cigarro Continental fedorento. Minhas irmãs, ainda tão crianças. Cícero, um garoto mijão! Por que diabos isso está acontecendo?"

"Acho que se eu começar a questionar isso vou formular teorias baseadas no que sei e jamais vou saber a verdade. Tipo, tava na iminência de descobrir um puta segredo cósmico e fui reiniciado sem a formatação de meu HD... nah, Matrix demais até pra mim! Até porquê a primeira providência nessa queima de arquivo seria voltar como criança mesmo e não um adulto mentalmente formado, que poderia modificar o curso de seu próprio futuro".

"Mas que futuro? Tive um passado que agora é meu novo futuro... putz, isso é que dá ler muito gibi da Marvel. Ou será que sou como o Schwarzenegger e voltei para matar alguma Sarah Connor não especificada? Claro, com minha conhecida ferocidade para matar baratas! E essas conjecturas não estão me ajudando em nada, preciso analisar a situação de maneira mais prática e sem piadinhas gratuitas".
"Possibilidades. Isso, meu futuro agora é uma imensa possibilidade. Sei o que minha família pode se tornar, por ter vivido no, hã, meu futuro alternativo (mais Marvel? Acho que vou dar um jeito de ir aos Estados Unidos e matar John Byrne, Chris Claremont, Len Wein e Jim Shooter... ah, não, sem digressões!). Ok, onde eu tava? Ah! As possibilidades. Tudo bem que cronologicamente não tenho idade nem pra ir a um banco pagar um boleto... mas posso me tornar um prodígio!".

"É, seu burro, e chamar a atenção de todo mundo. Acaratuba ainda é um fim de mundo qualquer agora mas mesmo sem internet um moleque com trejeitos e fala de adulto chamaria toda a atenção do mundo e a primeira coisa que eu faria como viajante temporal psíquico - uia, que frase legal. Tonta, mas legal - seria adiantar em 30 anos o estilo Luciana Gimenez de fazer tevê. Se vou ser responsável por mudanças, que sejam mudanças mais íntimas".

"Posso vir a aprender muito mais do que hoje sei de hoje em diante, mas não sou nehuma sumidade; não vou 'criar' a tecnologia que conheço, mas vou absorver melhor o que for criado por já a conhecer. Mas que papo doido! Não, nada de pensar nessa escala planetária. Vou me ater a mudar o que está ao meu redor. Se eu conseguir que a mãe não seja morta por aquele..."

Homero pára de falar, os olhos marejam. Agora não é mais uma lembrança fugidia que o faz chorar; é a presença física de alguém que ele pensava não ser mais possível ver. Ele não se contém mais e chora como há anos não fazia.

"Ok. É isso. Vou alterar um futuro específico. O meu. E de todos os que me rodeiam. Não vivia reclamando sobre o rumo que dei à minha vida? Minha vida deu um reboot e posso começar de novo. Essa é a chance que qualquer um gostaria de ter, pois eu vou tentar não cometer as mesmas cagadas, não ter as mesmas atitudes covardes e nem pensar muito sobre meus atos. Se eu mudar algo do futuro que me lembro, que se foda; deveriam ter retirado meu cérebro para que isso não acontecesse".

"É óbvio que vou ter cuidado com que vou dizer. Não posso bancar o vidente, nem o super inteligente. Só quero ter a chance de não ter que chegar aos 40 de novo (se eu conseguir, né?) me achando um bosta. E a minha primeira atitude vai ser tomada amanhã. É o primeiro dia de aula, né? Vou reencontrar a professora Sandra, meus colegas cujos nomes não lembro e não mostrar tanta auto-suficiência".
Ele sorri, olha a árvore majestosa e volta à ainda nova velha rotina.

"Tchau, filho. Se comporta, não faz bagunça e estuda".
Dona Lívia acena e deixa Homero defronte ao portão da Escola Estadual de Primeiro Grau Antonia Wessel de Lima. "Que coisa, agora vou ter que voltar a usar a sigla E.E.P.G! Pelo menos escapei do construtivismo", pensa, com um leve sorriso nos lábios ao se dirigir à sala de aula. Dessa vez com calma, observando, cheirando, ouvindo. Enquanto seus pares organizavam a algazarra em pequenos e barulhentos grupos, ele preferiu sentar-se na quarta carteira da segunda fileira da janela para a porta. "Isso faço questão de manter como antes", murmurou, solene.

Toca o sinal. Uma por uma, as outras crianças entram; mal se dão conta da presença de Homero, enquanto ele faz um portfólio mental de rostos e tons de voz. "Dessa vez não vou deixar ninguém me surpreender no futuro, dizendo meu nome enquanto eu sequer sabia quem era o fiadaputa!". Um jovial e quase cantado "bom dia" foi dito ainda à porta, enquanto dona Sandra entra e dispõe os livros e pastas na mesa dela. Ele até tenta prestar atenção no que ela diz, mas seus pensamentos são mais vorazes. Visualizando a sala, reconhece Mariana, a loirinha que o acompanhava até sua casa, falando pelos cotovelos, que já o olha com um misto de curiosidade e fascinação. "Vou cortar as asinhas dela antes que elas cresçam", ordenou a si mesmo mentalmente.

Tudo foi rápido demais. Alguns nomes para se juntar aos rostos e vozes (Joaquim, Ricardo, Ana, Cristina, as inúmeras Marias Aparecidas e os incontáveis Josés), o recreio ("certo, certo, não ria, você É uma criança e pode dizer isso!") com um pãozinho recheado com carne moída e um kisuco de sabor incerto - "acho que é abacaxi, mas tem um toque de morango, que esquisito!" - as primeiras letras ditas à exaustão. "Nossa, aprender as vogais é tão complicado assim?".

Das sete da manhã até às 10, religiosamente. O sinal toca de novo e Homero percebe que precisa prestar mais atenção a essas passagens de tempo. "Tudo bem, ainda tenho 179 dias de aula para me adaptar...". Seus pensamentos foram interrompidos por Mariana.
"Oi."
"Oi", responde Homero.
"Vamos embora? Voce é o menino que mora perto da dona Idelice, né?"
"Sou sim, meu nome é Homero, e o seu?"
"Mariana. Você gostou da aula? A professora é bacana, né? Ela me ensinou como desenhar o U, você quer ver como? É assim, ó..."
"Legal...". Ela queria se afastar da escola junto com ele, mas Homero simplesmente ficou parado.
"Você não vem?"
"Não. Vou esperar minha mãe."
"Ah, mas a gente mora pertinho. Vamo!"
"Não, obrigado. Ela disse que vinha. Vou ficar aqui e esperar. Até amanhã".
Aparentemente contrariada, Mariana não respondeu. Foi pisando duro até sumir na esquina. Homero simplesmente ficou.
Pouco tempo depois, na mesma esquina, dona Lívia veio. Usando uma calça jeans e uma blusa vinho, andando elegante e calma. Homero não pôde conter o embevecimento e o largo sorriso. Quase foi na direção dela, mas foi contido pelo seu "não" mental.
"Oi, filho, demorei?"
"Não, mãe. Tava aqui te esperando".
"Eu sei. Dá aqui seu material. Gostou da escola?"
"Muito! Nunva vi tanta criança junta. E a professora é legal. Você sabe como desenha o U?"
Não, ele não seria mais esperto e independente. Seria apenas um filho esperando a mãe no fim do dia de aula. "E isso é só o começo", pensou enquanto ouvia o cardápio do almoço.

24.11.08

O fim

O tranco na porta anuncia a chegada. Há anos, quiçá uma década, que Homero promete a si mesmo consertar o batente, trocar a porta ou coisa associada. E para variar ela nunca está trancada; o fato dele ter a chave não é motivo suficiente para mantê-la sob a frágil, porém unica segurança da lingueta gasta. Ele bate os pés sobre a camiseta velha usada como capacho e pano de chão e retirá o pó inexistente dos tênis.
Homero observa rapidamente os ângulos conhecidos dos cômodos da casa. A cozinha está razoavelmente limpa, sem panelas no fogão. "Bem, acho que vou comer aquele rango frio de novo!", murmura inaudível para si num tom de deboche acomodado. A sala está na penumbra, a tevê só mostra sua presença através do led verde; no quarto de Cícero e Helena, o lusco-fusco da televisão envolto no sussurro dos atores da novela. Mochila deitada na cama, tênis retirado displicente. "Nossa, a melhor coisa que fiz foi comprar aquele talco anti-chulé!", borrifando nuvens discretas do que restou do talco ao tirar a meia.
No chuveiro, a lembrança do dia de trabalho foi menos monótona. As doidas que trabalham na repartição compraram um bolo, refrigerantes e um presente singelo (um frasco de desodorante adorável) para comemorar os quarenta anos dele. Homero nunca se sentiu tão querido quanto naquele momento; fez valer os cinco anos e meio tendo que suportar a superdose de mulheres. A ironia de trabalhar em uma repartição que é um feudo feminino sendo gay sempre dava deixas para piadas de gosto duvidoso que ele adora proferir. Mas não naquele momento. Ele simplesmente ficou quieto enquanto Lúcia, sua chefe, lia um texto curto, repleto de lugares-comuns. Homero não chorou porque ele soltou uma frase feita, com chavões irônicos. O bolo estava delicioso.
Enxuto, trocado e com fome, Homero foi até a geladeira. Panelas guardadas (e isso porque Helena encheu o saco do seu irmão para comprar alguns "tapaué" de 1,99!), o arroz branco, pálido, implorando tardiamente por uma refoga de cebola e alho, o feijão, um guisado indefinido, suando gordura. "Prefiro a fome a isso", profere mentalmente com ira, fechando a porta.
Escova de dentes, creme dental. As gengivas são limpas com fervor, os dentes esfregados quase com fúria. Quando a língua passa pelos dentes que não existem mais (coincidentemente os dois pré-molares), o arrependimento pelo dinheiro não gasto num tratamento sempre volta. O fio dental do fim da escovação age com eficiência, limpando as gengivas e pensamentos.
A cama o convida, mas o hábito de tentar ver algo que preste na tevê persiste. Uma ou outra notícia dada pelo Carlos Nascimento, uns tais Yeah Yeah Yeahs verbalizam coisas em inglês para uma encantada Domingas Person, algumas tramas confusas nas novelas - "dá até saudade de minha vida de noveleiro acéfalo" - e o sono mune as pálbebras de areia. É hora de ficar olhando oescuro até que ele o acolha.
Geralmente é rápido, "pá e bosta", como diria seu tio; um punhado de frases pinçadas no cérebro, uma lembrancinha, a epifania que é rapidamente esquecida e o sono. Só que esse dia específico é diferente. Homero teima em colocar a vida em retrospectiva uma vez por ano, ao soprar de mais uma velinha. Um amontoado de frases iniciadas com a conjunção "se".
"Se eu tivesse começado a trabalhar mais cedo. Se eu tivesse completado o segundo grau. Se eu tivesse pretado vestibular para jornalismo. Se eu saísse da barra da saia dessa casa. Se eu não fosse gay e não gostasse tanto de homens mais velhos. Se eu tivesse continuado a trabalhar na Müller. Se eu fosse mais magro. Se..."
A cada conjunção, uma resposta dura. E a prespectiva de uma velhice cada vez mais próxima, solitária e desprovida de recursos financeiros. "Minha nossa", pensa, irritado, " nem para mim mesmo deixo de usar essas metáforas politicamente corretas. Seu gordo pobre e viado, você nunca vai se mancar e tomar uma atitude??". Como se fosse uma resposta implícita, uma enorme e atordoante angústia toma conta dele. A epifania veio e não permitiu ser esquecida:
"Sou fruto de minhas decisões".
A angústia doeu. E não foi apenas metaforicamente. Algo em seu peito começou a querer explodir, como um motor arrancado do capô a marretadas. Homero soltou um gemido de dor, que se transformou num grito. Todos os músculos pareceram se retesar, mas seu cérebro ainda teimava em permanecer lúcido, como se saboreando sadicamente o sofirmento.
"Deus... é um ataque cardíaco... alguém... me aju..." foi o que ele quis dizer, em meio à lamentação uivante. O corpo dele espasmava sem controle, títere sem cordas que o apoiasse. Mais um grito feroz, quase um urro animalesco. Os olhos arregalaram e viram a escuridão do quarto se preenhida pela luz. A cegante luz.
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A luz do dia preencheu o quarto. Homero pula assustado da cama, colocando a mão no peito, já sem dor. Atordoado, balança a cabeça fortemente e o que era apenas luz toma forma. As paredes azuis... "peraí, as paredes do quarto são brancas!", pensa. "Devo estar no hospital. Muita bondade do Cícero...", murmura, irônico. Quando passa as mãos no rosto, um susto: aquelas mãos pequenas. Pequenas demais! Incrédulo, olha para si mesmo com mais atenção. Suas pernas... encolheram. E essa cama? "Parece a cama de palha onde eu...". Não consegue terminar a frase. De seu corpo, olha para o quarto. As paredes ainda continuam azuis. E mais.

"Meu Deus... é a máquina de costura de minha vó! E a antiga cômoda! Ela foi jogada fora em 87, como pode isso?" Os pés descalços sentem o piso sem o revestimento. E está vermelho! O teto... onde está o forro? A janela... é do mesmo tom das paredes e é de madeira.

"Eu morri... tive um ataque cardíaco e morri, é isso. E essa é a representação do céu que estava reservado para mim??? Que piada de mau gosto é essa, Deus????". Homero sai quase correndo do quarto, não querendo acreditar no que viria. E ele viu. O conjunto estofado verde, a mesinha onde a televisão preto-e-branco ficava. " O espelho. O espelho.", sua mente bradava. Ele finalmente se viu no espelho da prateleira onde ele antes reconheceu o vidro de perfume Unforgettable, o pó compacto, o vidro de desodorante Italian Pine, seu rosto das fotos da década de 1970 no reflexo.

Horrorizado, Homero quase gritou e só foi impedido por uma voz.

"Homero, já acordou? Vem tomar seu leite, tem pão também."

Lentamente ele se virou na direção da cozinha. O cheiro de café acompanhou o vagaroso movimento de seu pescoço incrédulo. Aquela voz...

"Mãe?", ele disse timidamente.

"Vem, o leite tá esfriando. Já passei margarina na sua banda de pão.", ordenou suave a voz.

Alguém manipulando o tempo deve ter acionado a câmera lenta nesse momento. Passo a passo, ele foi na direção da voz. A cozinha era como ele vagamente se lembrava, mas agora estava colorida e vívida na frente dele. A mesa de madeira feita pelo seu Lucas. Seu Lucas sentado. Fátima, ainda criança, comendo sua banda de pão. Rosa, quase um bebê, sorvendo um chá numa chuquinha dada pela patroa de... dona Lívia.

"Mãe?", repetiu Homero, já na iminência de chorar.

Dona Lívia, encostada no fogão vermelho, adoçando o leite. Seus longos cabelos presos em um lenço, sua saia branca, suas chinelas. "Isso não é possível!". Suas pernas bambeiam como nunca antes. Antes dele cair no chão de cimento, dona Lívia, agílíssima, o agarra. Seu rosto se preocupa, seu Lucas, prático e seco, vocifera: "o que que te deu, moleque?". As mãos dela percorrem o rosto agora infantil de Homero, que se recupera, incrédulo e quase mudo.

"Tá tudo bem, Homero? Se não, te levo pro hospital."

A voz suave, o timbre decidido com leve sotaque caipira. Era ela mesmo, ele se permitiu dizer. E todos estavam ali, naquele instante. Aquilo era tudo, menos a morte. Mas o que era esse "tudo"?

"Tá tudo bem, mãe. Foi só uma tontura", e seu tom infantil soou alienígena aos seus próprios ouvidos.

"Ainda bem, ainda mais que amanhã é seu primeiro dia de aula!"

Estamos em 14 de fevereiro de 1977.

(Continua)

23.11.08

Mea culpa

Desde que me tornei "adulto" ouvia, quase sempre acompanhado de uma detalhada descrição da vida do meu interlocutor, a definição de felicidade e o porquê de eu não conseguir ser feliz. E foi ouvindo tantas descrições de felicidade que descobri, enfim, mais uma daquelas fórmulas mágicas. Só gostaria de ter um mínimo talento literário para poder enrolar, digo, escrever um livro de auto- ajuda; best-seller incontestável, principalmente se eu o intitulasse com algo prosaico, engraçadinho, emotivo ou qualquer que seja o tom que eu viesse a dar ao meu calhamaço.
Eu poderia ser feliz, por exemplo, adquirindo um vício socialmente aceito. Se eu fumasse, poderia sempre usar a boa e velha desculpa do isqueiro para puxar uma conversa, seja numa roda de desconhecidos que poderiam ser amigos ou para aquela gatinha solitária, caso quisesse tentar fazer sexo sem compromisso ou perpetuar a espécie, se ela fosse a mulher de minha vida. Claro que logo meu enfisema pulmonar e meus problemas cardíacos me faria persona non grata tanto em planos de saúde quanto no SUS, mas até lá eu seria irremediavelmente feliz.
E se eu bebesse? Definitivamente teria inúmeras histórias para contar, a imensa maioria com forte teor cômico, pelo menos para quem ouve. Desde a primeira carraspana - todos se lembram da primeira vez em que enfiaram o pé na jaca (eu me lembro muito bem!), - até histórias sobre vômitos, verdades ditas durante uma bebedeira, brigas por causa de palavras não comprendidas, esporros dados pela mulher, filhos, amigos. O problema é se eu não sobrevivesse no caso hipotético de eu dirigir depois de algumas biritas ("eu shóó thomeeei chinco caipirecs, sheu gualda!"). Bem, não sei dirigir mesmo...
Taí. E se meu maior sonho fosse ter um carro, como todos os que conheço? Ser fascinado por um modelo específico, tipo maníacos por Fusca, Opala, Maverick. Ou ser do tipo que adora especificações técnicas, como injeção tiptronic full flex com câmbio GPS Pinnifarina. Talvez adorar ir pela Augusta (ou qualquer rua) a 120 por hora. O importante é fazer o que muitos fazem: usar um carro não como veículo automotor, mas como símbolo de status do feliz proprietário. Se eu não fosse excessivamente cuidadoso (acho que alguns diriam covarde) ao ver no que o trânsito se transformou - só aqui em Indaiatuba a proprorção carro/habitante é de 1,78, se eu não me engano - ou não quisesse ser mais um a preencher o ar com mais gás carbônico, poderia ser mecanicamente feliz.
Alguns me dizem que preciso encontrar felicidade em uma religião, desde que ela seja baseada no cristianismo. Realmente. Moro em frente a um templo evangélico, e a quantia de barulho que eles fazem para louvar a Deus denota uma explosão de felicidade. Mas felizes são também os que repetem à exaustão a liturgia católica - quando eu tinha 12 anos, ultima vez em que frequentei uma missa, tinha decorado todo o roteiro (sim, era um roteiro! Uma indicação ordenada de frases ditas todo domingo, com algumas incursões improvisadas) da liturgia e decidi que não iria mais a uma missa. Acho que eu disse algo como "isso é muito chato". Pois é, se eu não achasse isso tão aborrecido, poderia compartilhar do êxtase. Mas eu sou herege mesmo, como uma colega de trabalho me rotulou.
Poderia ser feliz sendo gay! Ora, etimologicamente a palavra gay significa alegre. E me parece que ser gay é ser feliz, mesmo sendo considerado opção, doença, encosto... o problema é que eu teria que me encaixar em alguma ortodoxia. Ou eu teria que emagrecer, muscular meus bíceps, transformar minha barriga em um acessório de lavanderia, ou criar pêlos em minha casca adiposa para me transformar em um animal carnívoro, da família dos úrsidas, ou me submeter a silicones para poder soltar "a mulher em mim". Xi, mas antes teria que fazer uma bioplastia peniana; tenho, hã, um instrumento muito pequeno e como diria um sujeito cujo nome esqueci, size does matter!
Já sei. Sou solteiro. Feliz é quem tem uma mulher, cinco filhos, uma casa própria com prestações ainda a quitar (mas só faltam 13 anos), um emprego onde você precisa mostrar que é competitivo, antenado, uma mulher carinhosa e que saiba que o mundo agora pertence a elas, com TPM e tudo. Justo agora que descobri que viver só é muito inebriante...
Sou um idiota mesmo. Não presto para ser feliz. Terei que ser eu mesmo até o fim de minha vida, que droga!

22.11.08

Geração Caminho Suave

Meritocracia.
Essa palavra norteia minha vida mesmo antes que eu soubesse seu significado. Quando eu aparentemente ganhava um doce de meus pais, meus avós ou tios, sabia que era uma troca: eu fazia algo que os agradasse, ganhava um prêmio, mas que não houvesse condicionamento pavloviano! Minhas notas na escola eram boas de forma árdua; lendo os caros livros didáticos que minha mãe comprava (que moleza os estudantes têm hoje...), pesquisando em dicionários e enciclopédias na empoeirada biblioteca da cidade (crianças, estou falando do período entre 1980 e 1984), fiz com que meus oito anos no primeiro grau - hoje esse período é de nove anos e é dividido em ensino infantil e ensino fundamental. Acho que é isso mesmo, né? - tivessem valor. Um valor de médio para bom, mas ainda assim valoroso.
Os enpregos e sub-empregos que tive foram todos conquistados pela minha procura e tenacidade. Provavelmente isso aconteceu porque ainda acho que o significado de Q. I. seja quociente intelectual. Meu primeiro emprego com carteira assinada, numa confecção como enfestador (calma, é só o camelo que desenrolava os rolos de jeans para que os moldes de calças fossem cortados) foi conseguido da mesma maneira dos posteriores: currículo na porta da empresa - logo substituído por "currículo na agência de empregos" - , telegrama, entrevista, emprego.
Por ser adepto ferrenho das conquistas por mérito, minhas escolhas erradas pautaram minhas derrotas e as aceitei, primeiro com um muxoxo, depois com uma constatação fria: se estou na merda, foi porque fiz por onde. Não completei o segundo grau? A culpa não foi da falta de apoio, de dinheiro ou por forças divinas que quiseram me castigar: a culpa foi minha, da minha falta de empenho. O emprego que tenho não me provém o que considero justo? Não, a culpa é minha por não saber reinvidicar e mostrar mais empenho. Minhas dívidas não surgiram por causa do crédito que me deram, mas por não saber utilizá-lo. Simples, não?
Mérito. Hoje essa palavra foi escorraçada pelos novos ideólogos do século XXI, graças, em parte, a uma excrescência do final do século passado: as palavras e expressões politicamente corretas.
A idéia, a princípio, era nobre: eliminar expressões racistas e sexistas dos meios acadêmicos e jornalísticos. Perfeito, se a chamada "esquerda", algumas ONG's fundamentalistas e alguns intelectuais não tomassem isso como novo modus operandi mundial, fazendo com que tenhamos medo de chamarmos gordos de gordos, gays de gays, negros de negros, surdos de surdos, cegos de cegos e é melhor eu parar por aqui.
Provando que eles sequer estavam antenados com o mundo que os rodeava (ser contemporâneo não é a principal qualidade de quem quer simplesmente nos dizer o que fazer), tudo o que era discutido teve quase força de lei na mídia por causa do emburrecimento da população. Sim, emburrecimento. O sistema educacional público foi sucateado, ninguém, com exceção de algumas escolas particulares e universidades, consegue mais criar cidadãos com cérebros analíticos. Há um terrível fundamentalismo que cria bitolados em dogmas e paradigmas que não são questionados.
Hoje, ao invés de se tentar resolver a sinuca de bico em que os governos meteram várias gerações de brasileiros, promovendo uma profunda reestruturação da escola pública, preferem simplesmente adotar o ridículo sistema de cotas. Ignora-se o fato da pessoa não ter base educacional em seus anos de ensino fundamental e médio e dá uma vaga em uma universidade graças à pobreza (ops, situação de vulnerabilidade social!) ou pelo fato do camarada ser negro (ops, afrodescendente!).
Mérito? Para que se esforçar em ser bom, ou o melhor que alguem possa ser, se o governo sempre proverá minha mediocridade?
(Pretendia utilizar o título dessa postagem-desabafo em outro contexto; eu e muitos outros de minha geração foram alfabetizados por uma cartilha chamada Caminho Suave e minha intenção era andar calmamente na avenida da memória e dizer coisas sobre a vida sobre outro regime de coisas. Infelizmente tive que ser sarcástico e irônico. Peço desculpas também pelas idéias truncadas e ditas aos borbotões.)

9.11.08

Weezer - Island In The Sun: Spike Jonze

Não, não morri nem desisti; apenas estou em uma ilha sob o sol, cercado de coisas naturais que nem sabem o que é wi-fi. Alguém pode por favor me tirar daqui????

7.9.08

Everything But The Girl

É, meu bloguezinho querido, todo dia é como o Natal sem você...

Dance Monkeys Dance (Legendado)

Por essas e por outras limito meus escritos. Sempre há alguém que faz melhor e do jeito que eu faria se eu fosse um macaco melhor.

Christina Aguilera - Pero Me Acuerdo De Tí

Uma musiquinha pra não deixar meu blog morrer...

7.5.08

Epitáfio

Faleceu, às 17 horas do dia 07 de maio de 2008, o perfil do orkut "Sidnei Trindade". Ele tinha pouco mais de dois anos.
Filhote virtual de Sidnei, morador de uma cidade do interior de São Paulo, nasceu graças a um convite de Marco Antonio Veloso, a.k.a ByM, com o intuito inicial de reunir os amigos amealhados durante sete anos de incursões à Internet. Com o passar do tempo ele se revelou um excelente garimpo de inutilidades e novos amigos virtuais, além de mostrar o lado pouco pudico (para não dizer "as putarias") de muitos orkutnautas.
Não houve nenhum auge de entusiasmo ou adições sem controle. Graças ao pouco tempo que seu dono tinha para poder se dedicar tanto para postar quanto para navegar à toa, ele foi relegado a um segundo plano confortável e anódino.
Quando o Twitter foi descoberto pelo referido proprietário, tanto ele quanto sua página decidiram que era hora de encerrar as atividades quase inexistentes do orkut e isso determinou a causa mortis do perfil: orkuticídio. Foi uma decisão amigável e os aparelhos foram desligados, não sem antes a página ter sido sedada.
O perfil deixa 38 amigos, 4 comunidades, 168 recados (ou, em Português, scraps) e 5 testemunhos. O féretro seguirá para a terra dos bits juntos dentro de uma caixa escrito "delete" e será velado no Blogger. Pede-se que não mandem flores. Ou melhor, podem mandar alguns gerânios ou margaridas do site Orisinal.





Meia Dúzia de Qualquer Coisa: Foi uma decisão fácil de ser tomada?

Sidnei: De certa forma, foi. Estávamos distantes, como a diferença de audiência da Rede Globo com a CNT. Não nos fazia mal mas não nos acrescentava nada.

MDdQC: O que o Twitter tem a ver com isso?

Sidnei: É como se eu pulasse da cartilha Caminho Suave para Ulisses, sem escalas. De uma estrada alemã e monótona pulei para uma sessão de rafting! Maravilhoso, espero que eu continue com essa orgia orgástica por mais tempo.

MDdQC: Quer dizer que o orkut era só papai-mamãe?

Sidnei: Nem sempre. Às vezes rolava algo "diferente", se é que você me entende, mas era quase por obrigação e graças à terceira via do You Tube, sabe?

MDdQC: Seu relacionamento com aquela atriz global teve algo a ver, também?

Sidnei: Não falo sobre minha vida pessoal.

MDdQC: Ah, fala sim. Aqui comigo, pô!

Sidnei: Seguranças, por favor, a entrevista acabou.


1.5.08

Há muito tempo eu vivi calado

Tenho que dizer: não agüento mais ouvir coisas sobre o caso Isabella. Mais de um mês se passou desde o terrível crime e algumas redes de televisão transformaram isso em um circo de horrores, só faltando a mulher barbada e os gêmeos siameses. Foi um crime bárbaro, sem dúvida; o que não dá mais para suportar é a overdose. Acreditem, em famílias de classe média também acontecem rompantes de estupidez e violência. Se os tão devotados repórteres de programas sensacionalistas descessem de seu confortável pedestal e vissem a crueldade dos, digamos, menso favorecidos monetaria e culturalmente, encheriam seus jornais com Isabellas mortas. Bem fazem veículos um pouco menos propensos à sanha por audiência vazia e que agora apenas noticiam se há realmente algo para se noticiar, e não encher programas com "juristas", "advogados" e destrinchar os ossos. Isso fora o pré-julgamento.
Uma coisa sou eu, um sujeito com um blog, tecer uma opinião. Outra, bem diferente, é alguém que se orgulha de ter um diploma de jornalismo se achar juiz, júri e executor. Se a lei é lenta, reporte-se essa lentidão e use o poder que a mídia dá para que algo seja feito para que essa lentidão seja abolida. Por mais perverso que isso possa parecer, uma pessoa só é culpada legalmente quando um juiz confere-lhe a culpa mediante um julgamento limpo e justo. E sim, eu acho que o casal matou a menina. Mas não sou a lei e tenho consciência disso, por mais que em alguns momentos isso me revolte. Dura lex, sed lex, é o que muitos dizem. Pois que seja assim sempre, mesmo em casos tão tristes e cruéis como esse. Palavra de alguém que teve a mãe morta degolada.




Admiro a fé. A fé pró-ativa, que movimenta o mundo através de ações que o modifiquem. Infelizmente muitos usam a fé para mascarar o fundamentalismo e a ignorância. O mundo também é feito de "milagres", mas não só deles e definitivamente esperá-los passivamente é um atestado da mais encrustada burrice.
Se uma agência séria como a de aviação civil diz que em determinado dia não há condições para determinados tipos de vôo, isso deve ser levado em consideração. Se, ainda assim, alguém insiste em voar, não deve esperar que Deus o auxilie, mesmo que teoricamente seja um servo em sua "folha de pagamento". Deve, sim, usar roupas adequadas para suportar intempéries, ter e saber utilizar equipamentos de localização via satélite e sempre, sempre ter baterias e pilhas reserva. Ah, algumas latas de spam (a carne processada em lata, e não... ah, você entendeu!) também podem fazer parte do kit.
O desapareciemto do padre Adelir não foi uma tragédia. Foi fruto da teimosia de um homem cabeça-dura e egomaníaco, que achou que Deus tem a divina obrigação de guiar e auxiliar os menos precavidos. Mais ou menos como a anedota do náufrago, que no meio do mar, recusou a ajuda de um navio e de um helicóptero, dizendo: "não, obrigado, Deus irá me salvar". Ao inevitavelmente morrer, foi ao céu e pediu uma audiência com o Todo-Poderoso, onde reclamou por não ter sido salvo pela intercessão divina. Ouviu de bate-pronto: "o que mais você queria, meu filho? Mandei um navio e um helicóptero para resgatá-lo e você recusou!".




Pessoa 1: "Alô, é do posto da mulher?"
Atendente: "Sim."
P1: "Gostaria de falar com A., por favor."
At: "Ela não está, minha senhora; A. foi embora há menos de 15 minutos."
P1: "Então acho que você vai me ajudar. Estou com uma menina grávida com dores terríveis aqui, sabe?"
At: "A senhora poderia levá-la ao hospital..."
P1: "Não, meu filho, ela quer uma avaliação com o médico que faz o pré-natal dela aí no postinho. Estou com uma carta aqui do vereador Fulano de Tal, que me garantiu que é só apresntá-la aí."
At: "Já que é assim, vou falar com uma enfermeira..."
P1: "Vê o que pode fazer rápido aí, meu filho."

Pessoa 2: "Moço, quero falar com a doutora Beltrana de Tal."
Atendente: "Sobre o que seria?"
P2: "Ela me disse para procurá-la se os exames ficassem prontos e eu preciso falar com ela agora."
At: "A senhora tem uma autorização dela por escrito?"
P2: "Como assim? Foi o doutor Sicrano de Tal que disse que eu posso vir aqui e falar com ela!"
At: "De acordo com a doutora, ela só atende pacientes que não foram previamente agendados com uma autorização por escrito."
P2: "Não, o doutor Sicrano me disse e eu preciso mostar esse exame! Não dá mais pra esperar... quer que eu ligue para ele?"

Que esse ano eleitoral acabe logo. Por favor.



Minhas idéias foram vencidas pela rotina. O projeto ambicioso que eu me propus a fazer foi solapado pelo cansaço mental que o trabalho como recepcionista me causa. Ser funcionário público é estressante, tanto pelas cobranças quanto pela acomodação de alguns de meus colegas. Não ajuda muito só ter acesso à Internet uma ou duas vezes por mês.

Ih, mas não vou utilizar esse espaço para bancar o choroso coitadinho! Estou me movimentando, lentamente e continuamente e logo terei meu computador, meu acesso à rede e um canto meu, cheio de livros bacanas, uma poltrona, uma cozinha à minha disposição e uma solidão criteriosamente controlada. Esse "logo" não tem um prazo definido, mas é um logo que vislumbro com força e determinação. Enquanto isso fico enchendo lingüiça de vez em quando aqui em meu blog. Acredite, ela fica uma delícia no churrasco.

(Escrito em pouco mais de uma hora e meia ao som de coisas como isso. E isso. Cara, adoro o Magnatune! Mais uma que devo pro grande e essencial Janio.)

30.4.08

Vander Lee - Onde Deus possa me ouvir

Deixa eu chorar até cansar

Quando uma música me faz ter que disfarçar o choro, por exteriorizar coisas que se debatem há tempos em minha cabeça, merece não só minhas lágrimas, mas minha admiração. Um dia serei tão bom quanto quem me inspira.

Leia e ouça.

Sabe o que eu queria agora, meu bem?
Sair, chegar lá fora e encontra alguém
Que não me dissesse nada,
Não me perguntasse nada também...


Que me oferecesse um colo, um ombro
Onde eu desaguasse todo o desengano;
Mas a vida anda louca
As pessoas andam tristes
Meus amigos são amigos de ninguém...


Sabe o que eu mais quero agora, meu amor?
Morar no interior do meu interior
Pra entender por que se agridem
Se empurram pro abismo,
Se debatem, se combatem sem saber...

Meu amor, deixa eu chorar até cansar,
Me leve pra qualquer lugar
Aonde Deus possa me ouvir;

Minha dor eu não consigo compreender,
Eu quero algo pra beber.
Me deixe aqui, pode sair...

Adeus



3.2.08

Dias sem luz, festa sem sal

Olha só, meu blog tá abandonado, estou ao mesmo tempo com muita pauta mental e com pouca inspiração e 2008 já está com uma barbicha querendo ficar grisalha. Então acho que vou escrever coisas nesse pouco tempo de cyber.


1 - Ser funcionário público é procurar pelos bicos que muita gente renega.

2 - Me lembrei da musiquinha que minha irmã cantava para um gatinho que tínhamos, preto, de nome Ragú. Para dizer a verdade era quase um proto-rap, mais ou menos assim: "Gu, Gu, Gu, muito Gu/você é um Gu/todo mundo é Gu/ mas quem não é?". Não era possível saber se o bicho gostava ou não, mas pelo menos ele não se incomodava...

3 - Em Indaiatuba é difícil recomendar restaurantes, lanchonetes... não, não é verdade. Eu é que não os freqüento. Quando me atrevo a interagir com meus compatriotas e a fome, larica, gula, sei lá, ataca, meu refúgio seguro é um quiosque na praça Prudente de Morais, em frente a uma loja Colombo, onde peço um X-Tudo e uma tubaína. Bomba calórica? Que nada, é uma hecatombe nuclear calórica. Por isso mesmo delicioso.

4 - Um susto. Minha pressão arterial chegou a 23/16 mm Hg no dia 28 de janeiro. Já tive picos de arrepiar, mas isto... estive tão próximo de um ataque cardíaco e isso foi assintomático. Me dei conta que poderia morrer sem sequer sentir dor, e eu não quero isso. Quero é viver e morrer com prazer e dor, sugando tudo que minha existência puder me dar. Sem descanso e sem piedade. Por isso, muito captopril e nefidipino.
5 - Nas palavras de uma banda cujo nome não sei, cantores de uma música que não sei o nome, "quando eu morrer eu quero um enterro de terceira, pois não gosto de gastar dinheiro em coisas que não dão prazer".
6 - O melhor presente de Natal que recebi de minha cunhada foi sua ausência. 15 deliciosos dias, rápidos, fugazes, mas perfeitos.
7 - Não é que eu não goste de crianças, eu só não gosto de conviver com elas, sabe? Ora, não há justiça: elas podem ser cruéis, nós não, pois temos "consciência de nossos atos". Deve ser reflexo de minha infância precocemente adulta.
8 - Depois de uma semana vendo, ouvindo e sentindo mulheres, nada é mais relaxante do que ficar rodeado de homens. Podem pensar o que quiser.
9 - Falta rock and roll em minha vida. Já estou me derretendo por qualquer riff de guitarra, qualquer mesmo. Agradeço aos céus quando ouço Fall Out Boy! Caraca, quando não é sambanejo, é tecnobrega, forrónejo, arrocha. Ouvir rádio é lavar o cérebro com água sanitária. Nem a MPB tá produzindo coisas relevantes; meu irmão disse, muito apropriadamente, que "esses carinhas novos querem ser os novos Chicos, Miltons, Caetanos, intelectuais demais e não se preocupam em ser eles mesmos". Bring on the dancing horses!
10- Deixeuvê... meu tempo tá quase acabando, dá pra mais algumas coisas?
11 - Quando passo em frente de uma banca, olho para as capas das revistas em quadrinhos. Aquele moleque babão ainda reside em uma gaveta e viajo no molho tártaro, até que o preço me atira de volta ao chão. Que saudade do formatinho... execrado pelos abastados, foi o formatinho que democratizou os super-heróis. Mesmo com edições e cortes, era uma fonte segura de diversão. Engraçado... hoje, com muito mais espaço para colocar os textos, reduziram o nome do Super-Homem. Só faltava chamarem o Homem-Aranha de Spiderman...
12 - "Quando você vai aprender a dirigir?", alguém sempre me pergunta no posto de saúde. Quando, atarantado, observo o ar estressado que emana dos motoristas e motoqueiros, sempre com pressa de chegar aalgum lugar e pesquiso preços tanto dos carros quanto da manutenção deles... minha resposta é "nunca".
13 - Minha nossa, quando o carnaval vai acabar? E esse Big Brother? Na sexta, primeiro dia do desfile de São Paulo, pensei que ficaria no "ora veja", já que não sairia de casa. Mas tio Silvio Santos me presenteia com "Um Sonho de Liberdade" na Tela de Sucessos. Pelo menos nesse dia deveriam usar a tradução literal do título, A Redenção de Shawshank. O carnaval é Shawshank e o filme é Rita, jogando o cabelão.
Talvez na próxima eu fale de Deus. Quem sabe de Júpiter. Ou até do sorvete de chocomenta com uma colherinha de sorvete sabor limão "para abrir o apetite" que o tiozinho da sorveteria me vende.
Só espero não deixar uma hiato tão grande entre uma postagem e outra. Pois esse blog é pra mim.