29.12.06

De cinco em cinco

Resisti bravamente à tentação de tecer listas, prognósticos e desejos. Embora mais cedo ou mais tarde eu acabe cedendo e fazendo listas, prognósticos e tendo desejos, desta vez o motivo é nobre: o pedido de meu amigo Janio, que para mim tem força de decreto presidencial. Ele enumerou cinco objetivos para o ano vindouro (adoro essa palavra, “vindouro”. Soa tão... profética!) e pediu para alguns blogueiros fizessem o mesmo como em uma corrente. Ele não fez apenas isso, contudo: também disse cinco coisas que ninguém sabia sobre ele.

Cinco, assim como dez, são números que nos perseguem pela praticidade. Afinal, tudo começou com os dedos de um senhor no Oriente Médio sentindo necessidade de contar ovelhas. Ih, mas já enrolei demais. Sem mais delongas e com mais algumas listas – mo meio do processo me empolguei – aqui estão:

Os cinco objetivos para 2007

1 – voltar a estudar. A matrícula está feita e a escola, escolhida. Chega de procrastinação estudantil; ou eu completo esse bendito ensino médio ou jamais terei paz.
2 – ler mais e melhor. Se na minha adolescência eu era uma draga de best sellers na biblioteca, em minha idade adulta estagnei. Dos meus vinte anos até agora li pouco mais de cinco livros, entre eles “O xangô de Baker Street” e “O homem bicentenário”. Preciso ler os clássicos, por mais herméticos que eles sejam. Ler os mais vendidos também, claro, se o preço ajudar. Ler tudo que me enobreça. E algumas bagaças também.
3 – ver o mar. Pra dizer a verdade, nunca achei necessário estar perto do oceano; uma de minhas bobagens pragmáticas. Sequer sei nadar! Só que ver o mar não tem nada a ver com nado, tem a ver com deslumbramento. E é tão fácil: basta ir à rodoviária de Campinas e entrar num busão pro litoral. Mas nada de sunga! Ninguém merece ver um gordo em trajes de banho.
4 – beijar, beijar e beijar. Nunca senti tanta falta dessa troca de saliva quanto em 2006. Esse ano que finda foi o mais produtivo sexualmente falando, mas por motivos que fogem de minha compreensão encontrei a parte da população que não beija. Lábios sedentos, apresentem-se!
5 – voltar a Porto Alegre. Foi um de meus impulsos mais produtivos; conheci um povo diferente do estereótipo “brancos racistas e metidos a besta” que era obrigado a ouvir de meus colegas ao externar meu desejo em conhecer o Rio Grande do Sul, desejo que guardava em mim desde meus 15 anos. Feliz impulso que me fez arrumar uma mala, pegar a estrada e conhecer pessoalmente a pessoa que mudou perspectivas importantes de minha vida (nem vem, Janio, é de você que eu falo). Eu vou voltar. Preciso conhecer o que não tive oportunidade de ver na primeira vez.

As cinco coisas que ninguém sabe sobre mim

1 – quando estou nervoso ou excitado ou ansioso, mordo a parte de fora do meu punho esquerdo fortemente. Essa autoflagelação era mais comum entre meus 12 e 28 anos, um período de descobertas e ódios extremos. Hoje esse hábito reduziu-se a quase nada. Mas quase, como sabiamente disse Roberto Carlos, também é mais um detalhe.
2 – por força de minha solidão sempre me fiz de forte e auto-suficiente. Emulo essa pujança tão bem que todos me deixam só e me acostumei a isso. Às vezes, contudo, gostaria de ter um colo onde pudesse recostar minha cabeça, ou braços que me acolhessem.
3 – adoro salada de rúcula. Adoro! Se em um churrasco faltar carne, eu até entendo. Mas rúcula? Nem pensar.
4 – amor, amor MESMO só senti pela minha mãe, apesar do abandono, pelo meu pai, apesar do alcoolismo, pelos meus irmãos, apesar da indiferença, pelo Janio, por tudo que ele representou, pela Maria Ângela, apesar das chacotas, e por alguém cujo nome não posso dizer, por me ensinar o que é sofrer por um amor não correspondido. Espero que em 2007 esse rol de amores aumente.
5 – gosto de rir, mas também de chorar.

Cinco quase nomes do meu novo blog

1 – “Memórias num velho computador”
2 – “Memórias do pó”
3 – “Janela lateral”
4 – “Tudo, nada e mais alguma coisa”
5 – “Respiro, logo existo”

Cinco frases que eu adoraria dizer, se tivesse oportunidade

1 – “Me dá um beijo, porra!”
2 – “O referido é verdade e dou fé”
3 – “Ubi dubium, ibi libertas”
4 – “Adoro seus dedos em meu cabelo”
5 – “Eu te amo, sabia?”

28.12.06

Gotas e sonhos

Ao identificar o ursinho Pooh com asas, senti falta de minha inocência. Vi um morcego e o Tutubarão também. O céu cheio de nuvens era uma tela onde o vento fazia as vezes de pincel. Sentados nos terrenos gramados eu e meus irmãos descrevíamos cada forma que as nuvens tomavam. Carros e cavalos alados eram comuns, anjos e animais domésticos variados, amálgamas improváveis (“olha, Sid, é você com rodas de trator!”).
Quando um terreno nos oferecia um monte de areia, lá estava eu, criando estradas, túneis e pontes para meus carrinhos, verdadeiros prodígios arquitetônicos. E tal qual os terríveis monstros que Spectreman combatia, eu os destruía com pisadas e socos quando ouvia “Nei, vem tomar banho pra jantar!”.
Nem sempre o serviço de água era eficiente em minha infância, mas nem isso era empecilho para a diversão. A água não vinha na torneira? Hora de ir à bica d’água! Mãe, às vezes pai, tio e meus irmãos nos armávamos de baldes e garrafões de vinho vazios e nos dirigíamos a uma edícula próxima ao córrego Belchior, encher os recipientes e nos divertir no mais próximo de um parque aquático que tínhamos. Não havia verão que resistisse à refrescância de águas outrora limpas, entre gritos de êxtase.

Evidente que hoje ainda há resquícios desses anos pueris, mas infelizmente (ou não, dependendo da dose) as pimentas do cinismo e do sarcasmo temperam nossa visão e percepção. Não nos basta vermos pombas e montanhas formadas pelas nuvens; temos que saber que nuvens são feitas de gotículas de água evaporada e condensada e caso vejamos alguma forma temos que compará-la a um quadro de Vermeer, Goya, Boticelli. Se antes a chuva inesperada era motivo para pularmos nas poças, hoje nos irritamos se sujamos nossos tênis e tamancos. O pôr-do-sol era a promessa de mais um dia de arruaça, diferente de hoje, a confirmação de um dia a menos.

É inevitável sermos mais experientes e cínicos; nosso cérebro assimila o mundo com níveis de discernimento cada vez maiores. Só uma coisa resta: uma pequena nesga, uma pulga do que foi nossa ingenuidade. É quando nos pegamos cantando algo pertencente à nossa infância com os olhos marejados – no meu caso, “todo dia é dia/ toda hora é hora/ de saber que esse mundo é seu./ Se você for amigo e companheiro/ com alegria e imaginação,/ vivendo, sorrindo/ criando e rindo/ será muito feliz e todos serão também...” - , ou quando esquecemos que nossa roupa é da marca X e nos esbaldamos debaixo de um toró inesperado. Quando rimos de piadas antigas e puras como se a ouvíssemos pela primeira vez; quando saboreamos uma bobagem bem temperada com gosto de fogão esmaltado ou de lenha.

Ou quando vemos morcegos planando dentro de um donut que está para ser mordido pelo Mickey, estranhamente com uma capa de super-herói.


Sabe, no fim de ano fico extremamente sentimental. Pensei que os anos mudariam isso, mas vejo que não. Quem sofre é meu blog. Ainda bem que ele aceita meia dúzia de qualquer coisa. Mesmo.


Janio, meu filho, acabei de ler sua convocação. Farei a tal lista antes do fim desse ano par. Mas acho que cinco objetivos são demais. Enfim... o que você não me pede chorando que eu não faça sorrindo?
A propósito, que negócio é esse de acabar com o sorvete de pistache de Porto Alegre? Não se atreva a fazer o mesmo aqui em Indaiatuba...