2.10.09

Gavetas esquecidas

Está decidido: quando eu crescer, quero ser personagem do Manoel Carlos. O coroa até coloca uns conflitos e dramas na trama, porém o que sobressai é o savoir faire eterno dos personagens. São moradores do Leblon, Copacabana, Leme, que caminham pela praia de manhã e tomam cafés da manhã nababescos. Praticam esportes, freqüentam academias e festas, estão sempre tomando vinho, uísque. Moram em hotéis, desfilam pela noite, planejam viagens para o exterior. E as empregadas? Bah, se minha mãe estivesse viva rolaria no chão de tanto rir com as incongruências.

Não é à toa que novelas tem tamanha aceitação entre o povo desprovido de esperança. Essa sim, é a catarse do povão; ver uma violência que ele sabe que será punida, torcer pelo bonitão ou pela gostosona, chorar pela morte comovente, discutir com a profundidade de uma poça d’água temas polêmicos. Ratinho, com aquele programinha, fazia coisa semelhante, até que o grotesco tomou ares fantasiosos demais e foi abandonado. Para que ver "atores" simulando porrada quando é mais divertido ver as raquetadas do fulano?

Televisão serve apenas para uma coisa, pelo menos para mim: me lamentar por não conseguir ter opções mais interessantes.
(Trecho de um texto de 25 de setembro de 2003)



Muitas coisas me intimidam. Isso é saudável, pois não me acomodo em minhas parcas vitórias e nunca deixo de tentar aprender o que a vida me ensina. A vida é uma professora até cruel, mas justíssima; nos dá todo o espectro caleidoscópico para que possamos ter a chance de viver pra valer (sim, citando a tal musiquinha. Não esperem críticas da razão pura de mim). A intimidação sempre teve um papel pejorativo em minha jornada por isso a superestimava. Devagar com o andor, dizem os sábios.


O tédio dos meus dias, por exemplo. Como mantenho um blog, espero sempre um acontecimento minimamente emblemático ou um pensamento mais profundo sobre um chocolate que como para que possa escrever. Isso, fora elogios exagerados ao modo que escrevo, tendem a me intimidar, o que é uma tremenda bobagem.

Essa intimidação pressupõe uma obrigação. Não sou obrigado a postar algo no formato x ou y, posto por puro prazer. Já disse isso várias vezes: gosto de escrever, isso nunca será um sacrifício ou uma obrigação e nenhuma palavra poderá mudar isso. Fico muito feliz em ver que consigo ser compreendido porém se meu imenso prazer em brincar com as frases não vier primeiro, meu blog perderá a razão de ser.

Quando trabalho, o faço pela obrigação de ter dinheiro. Me relaciono com quem não gosto por educação e por não gostar de conflitos desnecessários e desgastantes. Ouço a música "que o povo gosta" compulsoriamente. As únicas coisas que faço por puro prazer tem que proporcionar prazer. Conversar com o y, com o ByM, trocar figurinhas no sistema de comentários dos blogs do Marcelo e do Emerson, ouvir o senhor R. Escrever. Escrever.

(Trecho de um texto escrito em 24 de setembro de 2003. Editado com permissão do autor, ou seja, eu mesmo)

1.10.09

O sino que ela toca?

Antes de Xuxa aparecer com mais um fiasco (quem, em sã consciência, ainda dá um programa infantil para aquela mulher egocêntrica?), havia a sessão de desenhos apresentados por seis meninas, um em cada dia da semana, chamada TV Globinho. Havia poucos desenhos realmente bons (e antes que algum incauto me chame de vagabundo, gostaria de lembrar que meu horário de trabalho é das 14:45 à meia noite e meia), mas um deles me atraía por provocar lembranças férteis de meus anos infantis e ingênuos: o Pica-Pau (Woody Woodpecker).


Depois de anos no SBT, por motivos que permanecem um mistério para mim, a Vênus Platinada adquiriu os direitos de transmissão do cartoon, incluída aí a terrível fase "Pé-de-Pano", apelido que eu e meu irmão demos aos desenhos feitos na década de 1960, creio eu. Mas isso não importou, pelo menos até a exibição de um episódio em particular.

O desenho se chama O maluco na praia (Nut in the beach), creio eu. Era mais um daqueles festivais nonsense com a participação do meu personagem secundário favorito, o Leôncio (Wally Walrus). Confesso que tinha uma quedinha por ele (ei, o pessoal do e-zine ZeroZen acha que a Smurfette "dá um caldo", por isso não me recriminem).

O episódio seguia seu curso, quando de repente, numa cena, há um brusco corte. Como o desenho é beeem anitgo, pensei ser uma falha normal. Porém, mais adiante, mais um corte brusco, dessa vez de uma parte que se alojou em minha memória graças à canção que o Pica-Pau entoava.

Eu não entendi de imediato, mas ao me lembrar da canção, tudo fez sentido. Ele canta uma trovinha popular americana, que é mais ou menos assim:

My bonnie lies over the ocean
My bonnie lies over the sea
My bonnie lies over the ocean
Oh, bring back my bonnie for me

A única explicação possível para tamanho disparate: alguém da alta cúpula da Globo simplesmente mandou editar essa parte por causa da semelhança fonética entre bonnie e Boni, o ex-todo-poderoso da emissora. Como no final a canção pede pra trazer de volta my bonnie, algum novo chefão rancoroso e ciumento deve ter sentido os cornos doerem.

Não é ridículo até que ponto um ego sem controle pode arruinar uma boa lembrança? Nem na emissora concorrente, onde, de certa forma, farioa mais sentido essa "censura", houve essa supressão. Pensando bem, é perfeitamente compreensível a insistência em trazer de volta a "Rainha dos baixinhos"...



Há duas coisas que adoro nos novos televisores: as teclas SAP e Closed Caption. Elas permitem que eu assista diversos filmes com som original e com legendas (meu Inglês não serve nem pra falar Big Mac), com um atrativo extra: um invlountário humor vindo das descrições dos sons que acompanham a cena. Tudo bem, o CC é um recurso para quem tem problemas auditivos, mas é o máximo quando leio "fundo musical triste", "música agitada", "zunidos macabros"...

Houve um dia singular, contudo. Esatava assistindo um episódio da série 24 Horas e chegou a hora do comercial. Nada demais, era a hora do xixi, do copo d'água. Ao voltar, estava passando um comercial da cerveja Kaiser, quando eles tentavam enganar o público, dizendo que a bebida estava com "novo sabor". Cerveja com novo sabor? Qual? Garapa com groselha? Francamente... Mas enfim. Era um daqueles típicos comercias "bebida que cai no copo como uma onda" com um BGM que alguns publicitários denominariam "vibrante". Já tinha visto esse comercial antes e não estava muito atento, quando de repente, no final, quando alguém sussurrava antes do obrigatório "Aprecie com moderação", o closed caption entra em ação, escrevendo o que o fulano suussurrava:

Love is just the bell that she rings...

Meu queixo caiu. Murmurei um "hã?" estupefato. Por que alguém teria o trabalho de utilizar o CC num comercial, e numa frase em Inglês totalmente fora do contexto? O produto anunciado era cerveja, não amor ou sinos.

Seria uma evocação demoníaca? Um trabalho de hipnose coletiva? Bem, se for, não deu certo. Continuo tomando cerveja apenas duas vezes por ano e a Nova Schin disputa o terceiro lugar com a Antarctica com chutes no saco e dedo no olho.

E, definitivamente, o amor é muito mais barulhento que um sino.

(Texto escrito em 21 de maio de 2005)