O
mundo do entretenimento está numa encruzilhada. Já não há mais
espaço para arroubos criativos que não possam vir a gerar
dividendos, pois não há mais lugar para a inocência e o
romantismo, se é que em algum momento da história houve inocência
e romantismo. Mesmo os que pregam uma espécie de anarquia criativa
querem, em algum momento, ser reconhecidos pelas suas obras. Como a
indústria do divertimento audiovisual movimenta quantias de dinheiro
nada desprezíveis (basta lembrar os US$ 6 bilhões arrecadados pela
indústria dos videogames no primeiro trimestre de 2011 – isso
mesmo, TRIMESTRE), não há muito mais espaço na mesa dos executivos
de grandes corporações da mídia para meros arroubos criativos.
É
sob este prisma que o livro Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros
(Abraham Lincoln: Vampire Hunter) deve ser analisado. O autor, Seth
Grahame-Smith, não deve ser menosprezado por sua suposta tendência
canibalesca, ao prover um cozido ficcional-histórico. O que ele fez,
e com muita competência, foi produzir e apresentar um produto para
uso futuro no cinema, games e programas de TV. Usar a figura
emblemática do 16º. presidente estadunidense e fazer dele um
caçador de vampiros sem que sua biografia fosse sequer
desconstruída – pelo contrário, graças às óbvias lacunas que
todas a figuras históricas deixam graças a informações não
comprovadas ou documentos inconclusivos, há espaço de sobra para a
nobre arte de criação de teorias da conspiração, arte dominada
com mestria pelos estadunidenses – deu margem para que o livro,
imprecisões físicas e literárias à parte, cumprisse o papel de
apresentar ao público e aos investidores um pré-roteiro elaborado o
suficiente para não ofender a inteligência do leitor e para dar um
tratamento imagético inicial aos donos dos talões de cheque em
Hollywood.
Não
podemos esquecer que o próprio Grahame-Smith é um homem de cinema e
tevê, pois é coproprietário da Katzsmith Production e cada passo
que ele dá é previamente calculado para que possa ser transformado
em plots televisivos ou cinematográficos. Mas isso tira os possíveis
méritos do livro? Claro que não. O objetivo primordial da obra foi
alcançado: é divertimento que faz com que quem conheça a biografia
oficial de Lincoln busque as referências nominais usadas nas partes
onde os ficcionais vampiros aparecem, além de atiçar a curiosidade
de quem não tem muita intimidade com a história tanto de Abe quanto
da Guerra da Secessão. Malandramente, aproveita-se do hype
vampiresco que ainda inunda o imaginário das pessoas, graças a
obras como True Blood, The Vampire Diaries e (tá, tá certo...) a
saga Crepúsculo.
Marcelo
Hessel, do site Omelete, disse que um dos grandes problemas do livro
é a unidimensionalidade de Abe Lincoln, assepsiando sua
personalidade e o tornando uma espécie de versão em carne e osso do
Capitão América. Nós, brasileiros, não veríamos problema algum
em ver um personagem histórico gringo ser desconstruído para fins
“artísticos”; o grande problema é a grande idolatria que o nome
Abraham Lincoln causa nos EUA. Por mais que Seth Grahame-Smith queira
amealhar seus milhões de dólares usando a liberdade criativa
(podendo inclusive apelar para a primeira emenda da constituição
estadunidense), ele deve ter achado que já foi livre demais ao
incluir vampiros na trajetória de vida do presidente. Na versão
para o cinema provavelmente o senhor Lincoln será um pouco mais
ousado e com nuances mais cinzentas.
Sabia
exatamente o que me aguardava quando comprei o livro e ao terminar
imaginei o tratamento que o diretor Timur Bekmanbetov dará ao filme.
Bem diferente dos meus anos pueris, onde os livros que eu lia
formavam-se apenas em minha imaginação. Bem vindos à era nerd do
entretenimento mundial. Os super-heróis já não são mais a
fronteira final.
Abraham
Lincoln: Caçador de Vampiros
Autor
: Seth Grahame-Smith
Tradução:
Alexandre Barbosa de Souza
Editora
Intrínseca
333
páginas