23.10.09

Sultões do suingue. Ou balada de um reino em pedaços.

Há muito tempo, em uma era longínqua, houve uma entidade onipresente e poderosa, dona de vozes e sons indistintos chamada Indústria Fonográfica. Representada por gravadoras e selos, ela nos provia com música de maior ou menor qualidade e mais do que isso: criava ídolos, ditava os ritmos, conduzia carreiras (musicais e psicotrópicas) e vendia com uma eficiência tudo isso, embalado em capas vistosas e arranjos bem produzidos. Ou não, dependendo da moda em voga.

Décadas de domínio absoluto sobre o que poderia ou não ser ouvido, curtido, gostado criou gigantes poderosas e mundiais (alguém se lembra de nomes e siglas como CBS, PolyGram, A&M, Parlophone, Polydor, RCA e quetais?). Sucesso tão grandioso gerou acomodação; o único trabalho que essas empresas tinham era cooptar quem ainda insistia em ser "independente", "revolucionário" ou "visionário" para seus selos "independentes", "revolucionários" e "visionários". Quando um americano quis transformar o que era analógico em digital, a Indústria Fonográfica viu apenas os cifrões. Esse é o problema de quem é grande demais: esquecer de olhar para baixo, para os lados. E para cima.

Da "versão digital" do LP à compactação digital de uma música, poucas mas decisivas décadas. E quem se autointitulava dorminhoco (Napster) conseguiu acordar um gigante, só para solapá-lo com uma pedrada chamada MP3. Hoje ela sobrevive graças às fusões, aos astros presos por contratos pré-digitalização e à RIAA e seus bem pagos advogados. O gigante teve que diminuir de tamanho e sobreviver diminuindo suas ambições - lembra-se que era "fácil" para um disco vender mais de um milhão de cópias? Hoje não há mais espaço para fenômenos mundiais como Thriller ou locais como Mamonas Assassinas.

Enquanto isso, consumi muito vinho desse gigante. Na época de ouro, poucos mas marcantes vinis (guardo na memória - e apenas lá, pois meu pai trocou meus LP's por pinga - discos como Bring on The Night do Sting, Revenge dos Eurythmics, Roberto Carlos Canta para a Juventude e Faith do George Michael) embalaram meu saudoso system Gradiente. E nos estertores do CD, alguns rompantes ora felizes ora desastrosos (um CD do padre Marcelo Rossi, ainda bem que para presente).

Agora esses CD's jazem em um canto em cima de minha cômoda, sem um tocador para eles (aconteceu, hã, um imprevisto com meu rádio com CD player. Envolveu um sobrinho, um cachorro e um dia de chuva. Não pergunte). Num belo dia da semana passada, ao pegar meu dicionário para consultar o significado da palavra "almofariz", os vi empilhados uns sobre os outros. Do nada, algumas frases cantadas foram murmuradas. "No canto da sala, no seu holograma...", "If you never say goodbye to the best things...", "We live in a beautiful world...", "Que isso é o fim de tudo, e é isso que eu vim dizer...".

Atalhos para memórias. Como cheiros, sabores, palavras ditas. "Por que não escrever sobre isso?", pensei. Afinal, nem tenho tantos discos assim... Como meu blog anda abandonado, vivendo de flashbacks editados - meu, se eu copiar e colar alguns textos de meus diários antigos, não vai prestar - acho que vou colocar em prática minha mania de tergiversar sobre o que ouço. Método, contudo; primeiro catalogarei os CD's do jeito que eu gosto. Confesso que tenho um pré-TOC: gosto de colocar coisas em ordem, nada patológico, mas digamos que quando estou no arquivo do posto de saúde, guardando os prontuários, estou no céu. Cheio de ácaros, mas longe da TPM eterna. Mas divago.

Depois de tudo catalogado bonitinho - tenho um caderno perfeito, todo maníaco por papelaria tem - vou viajar. O pó e o brilho vão me colocar lá no alto. Hã... parece que estou falando de cocaína, né? Refazendo: vou ouvir meus velhos discos e ver o que eles ainda me dizem, além dos versos.

O gigante que perdeu a altura não me olhou. Sorte minha.