6.10.06

A arte de namorar homem

O peso da mudança parlamentar está sob ombros despreparados. Não sabemos legislar mas temos que escolher quem legisle por nós. Teremos que desenvolver uma relação de confiança com homens e mulheres cujo passado não conhecemos plenamente. A tal vida pública do candidato muda dependendo da fonte pesquisada. O cidadão comum (dentre os quais me incluo) não consegue ter acesso pleno à informação porque ou ela é decodificada pelos interesses da mídia no momento – esqueça a tal objetividade, isso é apenas uma palavra bonita usada em propagandas – ou por simples falta de meios de propagação.

Não é justo termos que escolher “o melhor para nosso país” de dois em dois anos apenas vendo e ouvindo o horário eleitoral gratuito (a única fonte de informação para a imensa maioria, quer os intelectuais gostem ou não). A imprensa escrita tem tradição em reportagens investigativas (apesar da censura camuflada como “linha editorial”), mas graças à inexistência de uma cultura de formação de leitores aliada ao preço, os leitores de jornais e revistas se restringem à classe média mais “abonada” – por conta da desigualdade social, qualquer pessoa que ganhe mais de 3000 reais é considerada “bem de vida”.

Quando esse despreparo leva homens e mulheres que eventualmente envolvem-se em casos de corrupção e malversação do bem público, parte da culpa é atribuída ao eleitor. Culpa inescapável, mas que poderia ser evitada se houvesse interesse genuíno em mudar tanto as fontes de informação quanto o sistema político brasileiro. Há a impressão que toda mazela é deixada de propósito “para depois” para que seja usada como combustível para as promessas bianuais: a reforma tributária que nunca encontra consenso, a reforma política que não sai da mente dos analistas políticos, a punição aos crimes do colarinho branco que nunca ultrapassa os muros das renúncias pós-CPI’s.

Não é justo categorizar os políticos, mas não podemos negar que a atual conjuntura é propícia para o aparecimento de bandas podres. Um recurso legítimo como a imunidade parlamentar é utilizada como proteção a atos criminosos e verborragias ofensivas (você acha que Heloísa Helena ou Antonio Carlos Magalhães xingariam com tanta desenvoltura seus desafetos políticos e pessoais se não fosse a imunidade?). Um neófito bem intencionado vê o esquema viciado que ele herdou, e toma duas atitudes: ou entra na dança, pois “as coisas já estavam assim quando eu cheguei” ou briga uma luta com ares quixotescos, onde mantém a integridade inicial mas vai do nada (as comissões de ética, as CPMI’s) pra lugar nenhum (as renúncias e rodízios de pizza).

Rubem Braga chamou a política de “a arte de namorar homem”, graças aos cochichos e abraços entre parlamentares. Essa arte do sussurro ao pé do ouvido infelizmente esconde de nós, principais interessados nas decisões advindas desse falar baixo, as informações necessárias para que depuremos as assembléias e o congresso. Resta ao povo, soberano, ser informado através dos horários eleitorais gratuitos.


Esse desabafo estava sendo escrito antes da eleição e só não foi publicado antes por não conseguir concluir o raciocínio, ainda que torto, entre um atendimento e outro. Esse apêndice está sendo escrito no dia dois de outubro, logo após a confirmação da eleição em segundo turno para presidente. Assistindo a cobertura da TV Bandeirantes e ouvindo a rádio CBN não pude evitar a irritação ao saber quais foram os deputados federias mais votados.

Depois de ler blogs conclamando o voto consciente, da bobagem que é votar nulo ou em branco, ver que a história recente de alguns candidatos não foi levada em consideração (pra não dizer da folha corrida de alguns recém-eleitos) é, no mínimo, frustrante. Quase caio na tentação da simplificação, justificável ao ver homens que foram presos ou renunciaram para escapar da cassação estarem de volta pelo voto popular. Ainda bem que no meio dessa patota há homens e mulheres honrados. Resta a eles continuarem assim, quixotescamente ou não. E aos que sabem o que fizeram com seu voto, resta ser um pouco mais pró-ativos.

Eu ainda acredito no ser humano. Com uma raiva do cacete, mas ainda acredito.