12.1.07

Dias de molhos e massas

Gastronomia. A baixa. Não há como não me lembrar, entre salivações intensas, dos sabores de minha vida. Trabalhar entre mulheres traz essas lembranças graças à intensa troca de receitas entre elas. E não venha me classificar de machista; estou entre elas (um amigo disse, ironicamente, que sou bendito entre as mulheres, pobre de mim) e só digo o que ouço e vejo. Ok, sem digressões.

Uma de minhas colegas estava escrevendo uma receita de bolo de cenoura e veio à minha boca o sabor inesquecível dos bolos que minha mãe fazia. O pão-de-ló leve, o doce tanto do açúcar quanto da cenoura e a casca que a calda de chocolate formava – às vezes era o chocolate do padre, noutras era achocolatado mesmo – misturavam-se numa harmonia quase orgástica.

Os domingos de boa vontade eram domingos de nhoque. Minha mãe, empregada doméstica de forno e fogão, aprendeu os segredos da massa com uma de suas inúmeras patroas descendentes de italianos. Antes das massas prontas e da praticidade de hoje, ela dedicava a manhã num ritual que eu acompanhava fascinado. Primeiro, as batatas, afogadas em uma grande panela no fogo. Enquanto elas coziam, ela separava a farinha de trigo, os ovos e o óleo e os deixava à mão. Em outra panela, uma refoga com cebolas e alho moído aromatizava o ambiente, esperando a companhia da carne moída.

Com o molho borbulhando – Deus, o aroma do manjericão! – era hora de descascar e espremer as batatas, já macias. Ver as antes imponentes batatas desmancharem-se em pequenos filetes cilíndricos era, e é, hipnótico. Toda a massa formada pelos filetes era amalgamada pela farinha, pelos ovos e por um pouco de óleo de soja, numa massagem vigorosa, até formar um único bolo enfarinhado e amarelado. Nessa hora minha mãe dava um sorriso e anunciava: já está quase tudo pronto.

Chegava a hora de minha parte predileta. Molho pronto, massa devidamente misturada, era hora de colocar mais uma panela no fogo, dessa vez com água apenas. Enquanto a água aquecia, o enorme bolo era repartido em pequenas bolotas, que eram enroladas numa superfície enfarinhada para formar um grande cilindro com diâmetro de um centímetro, centímetro e meio. Habilmente dona Benedita cortava com uma faca pequenos travesseiros. Cilindros, travesseiros, cilindros, travesseiros... e quando a água fervia, minha mãe dizia: “Nei, me ajuda”. Ela colocava os travesseiros na água e depois me orientava: “quando a massa subir, tira com a escumadeira e coloca no escorredor”. Quando ela disse isso pela primeira vez, não entendi... como assim, “a massa subir”? Foi quando vi a maravilha: a lei da gravidade simplesmente deixou de existir e as trouxinhas começaram a emergir, uma a uma. Os travesseiros giravam em seu próprio eixo e flutuavam na água quente.

Momentos extraordinários culminando com um almoço delicioso. Esses domingos de nhoque eram pequenas raridades, no máximo 5 por ano. Era o que eu chamava de perfeição: fartura, satisfação e calma. Sim, comida é prazer e memória.

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