31.3.07

Tardes vazias

Do alto da cidade, na vila Avaí, próximo da sede da rádio Jornal AM, a cidade que se via em meados da década de 1980 era a dos telhados de barro, das copas de árvores e dos raros edifícios, sendo o mais pronunciado o prédio do hotel Alvorada, branco e com letras azuis. Gostava de ir até lá. O caminho era muito tranqüilo, principalmente aos sábados e domingos. Ou eu percorria uma linha reta pela rua 15 de Novembro, caminho preferido no final de ano, graças a algumas mangueiras que ficavam apinhadas de manga-espada, numa casa perto da avenida Presidente Kennedy ou imitava uma barata tonta, ziguezagueando entre o centro e os bairros Cidade Nova, Vila Suíça, Vila Furlan e Jardim América.

Uma ladeira, nada muito íngreme, rodeada de terrenos vagos, árvores e um quase silêncio me levava até o topo. No início da primavera a Vila Suíça era, e ainda é, brindada com o balé parabólico das andorinhas, felizes por encontrarem o sol. Nas casas, famílias e seus sons e odores; “crianças (...) sob o olhar carinhoso dos pais”, como diria Léo Jaime numa obscura canção de seu LP (não riam, crianças!) “Vida Difícil”. E no topo, a visão da cidade.

No meu período autista não havia melhor lugar para ficar. A cidade aos meus pés, o pasto e algumas chácaras atrás de mim. Quando eu me abastecia na biblioteca, um dos meus locais prediletos para ler era à sombra de uma cerca onde o maracujá florescia, perto de uma árvore cujo nome não sei até hoje (taí, acho que vou ler algo sobre botânica). Li várias obras de Agatha Christie e J. M. Simmel sentindo o cheiro de maracujá e pinheiros.

Quando a tarde anoitecia, o sol teimava em se pôr de maneira cinematográfica, deixando os pastos vermelhos e azuis. Bovinos e o verde do pasto, imóveis, pintavam um cartão-postal diário. O burburinho dos pardais e o vôo simétrico das garças davam o tom bucólico de minha contemplação. Quase sentia pena em deixar meu posto e voltar para casa.

Estive lá há dois domingos. Tudo o que vi foram casas, sobrados, prédios de maior ou menor altura. As buzinas eram sons recorrentes, assim como o pancadão dos alto-falantes. Tropecei em garrafas pet, copos descartáveis, cacos de litros de vinho e vodca, e as conseqüências nas pessoas que bebiam o conteúdo do que foi descartado.

O sol só mostrava o traço carmim enquanto se punha. E me pus de volta ao meu caminho, sem andorinhas.

Um comentário:

Anônimo disse...

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