22.8.07

Ainda guardo um retrato antigo

Inevitável, a passagem do tempo precisa de parâmetros estabelecidos para ser pelo menos codificada. Desde os nanossegundos até os milênios tudo precisa passar pelo crivo de nossa imperfeita lógica humana. Por isso damos valor tão grande ao dia em que nascemos. É o dia em que oficialmente começamos a interagir com nossos desejos, a não ser que você acredite em plena consciência filosófica desde nossos dias como gametas, fetos. Ora, tudo se resumia a uma batida de coração externa e a troca de nutrientes pelo cordão umbilical.

Num belo dia, eis que somos expulsos sem cerimônia de um estado de quase letargia às batalhas por oxigênio, comida e afeto. Nosso primeiro choro é, e me perdoe quem sofreu (quem nunca sofreu consientemente levante a mão!), o mais angustiante que bradaremos em nossa vida inteira. A partir de uma data aleatória, somos confrontados com a ida ao fim, sem direito a habeas corpus e tendo que achar tudo isso "parte da vida".

Essa lenga-lenga toda só serviu como prólogo empolado para a lembrança da iminência de meu aniversário. Poucos anos me separam de completar quatro décadas de vida. Vida em uma cidade outrora pequena, pacata e modorrenta. Vida feita de decisões erradas, descobertas pouco confortantes e alegrias bem aproveitadas. Vida repleta de inspirações de um ar que já teve mais oxigênio, risadas indecentes de tão espontâneas e amizades poucas e sólidas.

Meus quase trinta e oito anos me fizeram rir de minhas fotos antigas. Uma quando criança, coçando a panturrilha ao lado da vó, rosto despreocupado. Outra, pose de galã, cara de sério sentado no braço do sofá verde-musgo, braço direito pendendo suavemente - um amigo, ao ver a foto, disse, zombeteiro: "putz, tá muito gay essa foto, cara!" - e já pensando nas coisas que eu lia. Meu primeiro retrato 3X4 mostra minha eterna papada e uma cara aparvalhada, típica de um adolescente que não havia beijado ninguém. Meus óculos tortos na foto da identidade, fruto de um relacionamento nada amistoso com esse objeto incômodo (não, nada de aros de fibra de carbono de lentes high light anti-reflexo). O hiato fotográfico até meus quase trinta anos, quando me vi com um sorriso bobo, porém determinado, junto a alguns colegas de trabalho.

Esse tempo que teimou em passar à minha revelia quase me obriga a cantar a velha canção e sentir o gosto de um bolo de chocolate qualquer. Ainda faltam cinco dias. Sinto que vou precisar desse blog para desabafar.




O título foi titado da canção "Amanhã é 23", do grupo Kid Abelha.

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