2.11.07

O referido é verdade e dou fé

Se eu acreditasse em teorias conspiratórias, diria que alguém, desde setembro, está tentado impedir minhas postagens. Ao tentar me logar em um cybercafé, a página do Blogger simplesmente se recusava a abrir. Mas agora que consegui, me vem à mente a mesma inquietação: vou escrever o quê?


De uns tempos pra cá, algumas coisas têm conseguido a proeza de me irritar profundamente. Assuntos religiosos, por exemplo. No posto de saúde onde trabalho há seguidoras de várias vertentes cristãs neo-evangélicas. Nada demais se não fosse o forte ranço fundamentalista que impera em alguns diálogos. Nada do que é feito tem o dedo de quem fez; se não for o belzebu e suas artimanhas é Deus escrevendo certo por linhas tortas. O homem, sempre fugindo da responsabilidade sobre sua própria vida, adora citar de cor versículos e dogmas sem parar para pensar em seu papel na trama da vida.
O que acho engraçado nisso tudo é que nenhuma dessas pessoas pensava nas sagradas escrituras ou assemelhados na flor da idade, quando o corpo era viçoso, a libido estava ativa e os excessos eram cometidos. A velhice sempre traz arrependimento para quem achava que viver era ficar bêbado e trepar até o último orgasmo. Tenho impressão que Deus existe apenas para os arrependidos.


Os católicos pensam que Deus é burro; os evangélicos, que Deus é surdo.


Indaiatuba esteve seca como o deserto em setembro e outubro. Não chovia, o calor deixava todos alvoroçados e houve uma séria ameaça de racionamento. Ainda assim, muitos armavam-se de mangueiras e desperdiçavam, lépidos, água tratada em calçadas e carros. Para corroborar a atitude de jerico, jogavam os dejetos nas bocas-de-lobo, entupindo-as. Claro que todos se conscientizaram depois da ameaça do SAAE, o responsável pelo tratamento da água e esgoto da cidade, de multar quem fosse pego desperdiçando água.
Quando, na última semana de outubro, a chuva caiu mansa e contínua, durante o dia inteiro, me detive sob ela por alguns instantes na calçada em frente a uma fundição. Senti gota por gota um alívio. O mormaço do asfalto já estava sob controle e meus óculos contavam os milímetros da precipitação. Andei calmamente pisando nas poças cantando uma canção. Não, não aquela. Esta.


Eu, que não acreditava em prêmios. Eu, que sempre achei que loterias eram formas lícitas de jogatina e de arrecadação de dinheiro sobre o sonho - o velho axioma "sonhar não custa nada" não é verdadeiro. Custa, sim; de um a cinco reais. Eu, que não arriscava coisa alguma por achar que "sorte" é uma palavra bonita, um eufemismo para "me dei bem mas você não precisa saber quem matei pra que isso acontecesse". Eu, o mais improvável dos mortais, ganhei um concurso. O catrão de mil reais da promoção da Kuat. Devidamente gastos, já deixando os urubus avisados.
Quando será que a Mega-Sena acumulará de novo?


Gostaria muito de poder viajar no final de ano. Rever pessoas e lugares. Fugir, por pouco tempo, dos sambas feitos por mauricinhos, dos forrós feitos por bondes imitadores de cantores sertanejos, do choro de crianças e gritos de adolescentes. Manter distância das pacientes impacientes. Ver o mínimo possível de mulher por pelo menos uma semana - não é misoginia, é saco cheio mesmo. Dormir e acordar sem precisar pedir licença. Descobrir o que há de novo, me cobrir com meus desejos antigos.
Gostaria de algumas coisas bem simples. Muito. Mas nada de promessas.


Sete anos, quase oito. Me dirijo ao banheiro para tomar banho, distante como sempre, em meu mundo paralelo. Chuveiro aberto, ouço a voz alcoolizada de meu pai chegando do bar mas aquele era apenas mais um som. Decido cantar a plenos pulmões uma música da Rita Lee que eu adorava, e ainda adoro. No meio dos acordes "afinadíssimos" que minha garganta soltava, a voz alterada do meu pai, em mais um embate verbal inútil com minha mãe. Alheio a isso, pulava feito um retardado debaixo d'água.
Como se tivéssemos ensaiado, eu cantava o início do verso "papai, eu não fumo, papai, eu não bebo..." e o pai, no mesmo ritmo (não é piada), gritou "PÁRA, NEI!!!". Estanquei os movimentos, apavorado e acabei o banho naquele momento. Estava criada a maior das piadas internas da família Trindade. Toda vez que minhas irmãs se lembram do episódio, elas cantam: "papai, me empresta o carro, papai eu não fumo, papai eu não bebo, PÁRA, NEI!". Ai, ai...


O título dessa postagem era um dos prováveis títulos desse blog. Como sei que muitos não sacariam o tom irônico que eu gostaria que tivesse, descartei. Asim como "Memórias num velho computador", retirada de uma canção de Ritchie, que provavelmente daria um tom sisudo demais a um blog tão errático. Pelo mesmo motivo foi descartado "Quem precisa de utopia?", trecho de música do mesmo Ritchie. E não, não sou apaixonado pelo gajo.


Não achei nenhuma das músicas acima. Mas encontrei o lado B do compacto "Aline", do Christophe, uma daquelas músicas que adoro sem saber exatamente porquê. Senhoras e senhores, "Les marionettes"!

Nenhum comentário: