23.11.08

Mea culpa

Desde que me tornei "adulto" ouvia, quase sempre acompanhado de uma detalhada descrição da vida do meu interlocutor, a definição de felicidade e o porquê de eu não conseguir ser feliz. E foi ouvindo tantas descrições de felicidade que descobri, enfim, mais uma daquelas fórmulas mágicas. Só gostaria de ter um mínimo talento literário para poder enrolar, digo, escrever um livro de auto- ajuda; best-seller incontestável, principalmente se eu o intitulasse com algo prosaico, engraçadinho, emotivo ou qualquer que seja o tom que eu viesse a dar ao meu calhamaço.
Eu poderia ser feliz, por exemplo, adquirindo um vício socialmente aceito. Se eu fumasse, poderia sempre usar a boa e velha desculpa do isqueiro para puxar uma conversa, seja numa roda de desconhecidos que poderiam ser amigos ou para aquela gatinha solitária, caso quisesse tentar fazer sexo sem compromisso ou perpetuar a espécie, se ela fosse a mulher de minha vida. Claro que logo meu enfisema pulmonar e meus problemas cardíacos me faria persona non grata tanto em planos de saúde quanto no SUS, mas até lá eu seria irremediavelmente feliz.
E se eu bebesse? Definitivamente teria inúmeras histórias para contar, a imensa maioria com forte teor cômico, pelo menos para quem ouve. Desde a primeira carraspana - todos se lembram da primeira vez em que enfiaram o pé na jaca (eu me lembro muito bem!), - até histórias sobre vômitos, verdades ditas durante uma bebedeira, brigas por causa de palavras não comprendidas, esporros dados pela mulher, filhos, amigos. O problema é se eu não sobrevivesse no caso hipotético de eu dirigir depois de algumas biritas ("eu shóó thomeeei chinco caipirecs, sheu gualda!"). Bem, não sei dirigir mesmo...
Taí. E se meu maior sonho fosse ter um carro, como todos os que conheço? Ser fascinado por um modelo específico, tipo maníacos por Fusca, Opala, Maverick. Ou ser do tipo que adora especificações técnicas, como injeção tiptronic full flex com câmbio GPS Pinnifarina. Talvez adorar ir pela Augusta (ou qualquer rua) a 120 por hora. O importante é fazer o que muitos fazem: usar um carro não como veículo automotor, mas como símbolo de status do feliz proprietário. Se eu não fosse excessivamente cuidadoso (acho que alguns diriam covarde) ao ver no que o trânsito se transformou - só aqui em Indaiatuba a proprorção carro/habitante é de 1,78, se eu não me engano - ou não quisesse ser mais um a preencher o ar com mais gás carbônico, poderia ser mecanicamente feliz.
Alguns me dizem que preciso encontrar felicidade em uma religião, desde que ela seja baseada no cristianismo. Realmente. Moro em frente a um templo evangélico, e a quantia de barulho que eles fazem para louvar a Deus denota uma explosão de felicidade. Mas felizes são também os que repetem à exaustão a liturgia católica - quando eu tinha 12 anos, ultima vez em que frequentei uma missa, tinha decorado todo o roteiro (sim, era um roteiro! Uma indicação ordenada de frases ditas todo domingo, com algumas incursões improvisadas) da liturgia e decidi que não iria mais a uma missa. Acho que eu disse algo como "isso é muito chato". Pois é, se eu não achasse isso tão aborrecido, poderia compartilhar do êxtase. Mas eu sou herege mesmo, como uma colega de trabalho me rotulou.
Poderia ser feliz sendo gay! Ora, etimologicamente a palavra gay significa alegre. E me parece que ser gay é ser feliz, mesmo sendo considerado opção, doença, encosto... o problema é que eu teria que me encaixar em alguma ortodoxia. Ou eu teria que emagrecer, muscular meus bíceps, transformar minha barriga em um acessório de lavanderia, ou criar pêlos em minha casca adiposa para me transformar em um animal carnívoro, da família dos úrsidas, ou me submeter a silicones para poder soltar "a mulher em mim". Xi, mas antes teria que fazer uma bioplastia peniana; tenho, hã, um instrumento muito pequeno e como diria um sujeito cujo nome esqueci, size does matter!
Já sei. Sou solteiro. Feliz é quem tem uma mulher, cinco filhos, uma casa própria com prestações ainda a quitar (mas só faltam 13 anos), um emprego onde você precisa mostrar que é competitivo, antenado, uma mulher carinhosa e que saiba que o mundo agora pertence a elas, com TPM e tudo. Justo agora que descobri que viver só é muito inebriante...
Sou um idiota mesmo. Não presto para ser feliz. Terei que ser eu mesmo até o fim de minha vida, que droga!

Um comentário:

Anônimo disse...

Talvez não precisemos ser tantas coisas. Eu, por mim, só queria ter alguém a quem eu pudesse chamar de meu. Não no sentido de posse. Queria que essa pessoa fosse afetivamente minha: amiga, companheira, amante, amada. Sei que é difícil conseguir tal coisa, mas se tiver que "batalhar" por isso. No fim poderei dizer que valeu a pena.