31.10.09

Arrested Development - Zingalamaduni

Nessa vida longa e louca, descobri uma coisa engraçada: não me arrependo de minhas cagadas. Se as fiz, foram todas conscientes. Sabia  dos riscos e benefícios, os bônus e ônus. Sempre soube que os frutos de minhas decisões seriam colhidas ou jogadas fora por minha conta e risco. O que não significa que eu nunca me arrependa.

Como eu disse, quando as decisões foram ditadas pela consciência, mato no peito e chuto pro gol, embora seja um pálido reflexo de jogador de futebol (no popular, perna-de-pau). O problema é quando faço algo ditado pelo acaso, ou pela empolgação, das duas, uma: ou descubro novas fórmulas da pólvora ou crio chicotes para meu autoflagelo. Pois em meados de minha adolescência fiz algo que me arrependo profundamente: apresentei o rap ao meu irmão.

Não sou tão seminal; não posso me gabar de ter conhecido Grandmaster Flash, mas me lembro de "Basketball" do decano Kurtis Blow, "I'm a ho" do Whodini e de ter pirado por ouvir excertos de outras músicas criando outras, faladas e com DNA funk - depois é que descobri o anglicismo sampler. Quando meu irmão mais novo era apenas um projeto de menino, fiz com que ele ouvisse a Bandeirantes FM (acreditem, antes da proliferação das rádios piratas e de outras ondas concorrentes, como as ondas dos telefones celulares, ouvia-se as FM's de São Paulo, capital, claramente aqui em Indaiatuba) e que ouvisse a melhor seleção de black music disponível para ouvidos leigos até então.

Não poderia imaginar o quanto ele gostaria de tudo aquilo. Claro que no começo havia uma preocupação em se fazer algo com o mínimo de conteúdo, como os gringos Eric B & Rakim, Kool Moe Dee, Run DMC e mais tarde os heróis brazucas da São Bento (salve, Thaíde). Infelizmente, uma das vertentes tornou-se mais evidente do que outras pelo mesmo motivo que outras manifestações culturais, políticas e religiosas se tornaram evidentes: a polêmica. O chamado gansta rap, capítaneado no final da década de 1980 por nomes como Ice-T e N.W.A., reduziu os arranjos limpos e funkeados por um minimalismo que poderia ter sido genial em alguns momentos (não dá pra dizer que Dr. Dre seja "apenas um rapper sem noção") mas que graças à repetição ad nauseaum tornou-se chato e aos mimos ditos com a boca cheia pelos rappers. Os manos virarram niggas, as minas viraram bitches, os desafetos juntaram-se todos num uníssono motherfucker e isso, graças a uma sucessão de fatores que não cabe a mim dissecar aqui, virou a nova fonte de renda de muitos "cantores". Se hoje excrescências como 50 Cent, Flo Rida, Chamillionaire e quetais são ricos e musicalmente influentes, agradeça a quem tinha por objetivo mostrar a vida estilizadamente violenta dos guetos americanos.

Tarde demais, tentei mostrar que havia, sim, rap que poderia combinar as raízes sólidas em que foram originadas com uma mensagem menos belicosa; talvez um pouco proselitista, mas com o uso de alguns neurônios além dos que formulam xingamentos. um dos CD's que comprei para comprovar isso foi o segundo disco de estúdio do grupo Arrested Development.

O respeito começava no encarte, com todas as letras. Escritas pelo rapper Speech (nome de guerra de Todd Thomas), com eventuais colaborações, mostrava uma preocupação em mostrar o orgulho em ter a pele negra, ter raízes africanas e fazer com que isso não se tornasse discurso panfletário, embora nisso, até por causa dos temas, fracassasse fragorosamente. A sorte dos ouvintes eventuais é que ele é um produtor bastante competente. O uso de samplers econômicos e inteligentes (como nas minhas favoritas "Africa's inside me" e "Ease my mind") e scratches precisos fez o disco ser palatável a quem achava que rap só exortava a posse de armas, mulheres em trajes sumários e palavrões.

Infelizmente dois fatores foram determinantes. Se não eclipsaram totalmente o álbum, não permitiram que ele brilhasse como ele merecia:  o ano em que ele foi lançado (1994 foi um dos mais férteis anos da indústria fonográfica mundial) e a preguiça mental que não permitia que grupos como Digable Planets, A Tribe Called Quest e outros fossem assimilados pelos niggas e pelas bitches, ávidos pela grana fácil trazida pela cooptação ao mainstream do estilo bandido dos ganstas. E atrás desse trio foi meu irmão que, se ainda consegue ouvir "In the sunshine" - a preferida dele no CD - e pirar o cabeção, acha graça em grupelhos de rap que proliferam na 105 FM que acham o máximo falar dos manos do X enquanto acham que falar palavrão é ser o novo Mano Brown.

Acho que vou queimar no fogo do inferno. Ao som de Eminen. Vou tentar negociar para ver se posso pelo menos ouvir 2Pac, na fase onde ele amadurece e faz gansta rap com método e conteúdo. Tão bom que é morto por causa disso. Bem, isso e por outras tretas, né?

Arrested Development - Zingalamaduni
Gravadora: Chrysalis - EMI
Ano: 1994

Lista de músicas aqui.

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