9.11.09

Legião Urbana (1985)

Tudo bem, ninguém está olhando. Pode confessar. Nega a todos que o vê compenetrado, sério, focado em sua carreira; bom pai ou boa mãe, quase uma referência entre seus pares, criador de frases pensadas e ponderadas. Enfim, um cidadão respeitado pela sociedade. Mas agora somos só você e eu, não precisa se esconder, não pra mim. Pode dizer: você já foi jovem.

Sim, a juventude já correu serelepe por suas veias tão honradas, não? Era inebriante, vívida e vez por outra inadequada e inadequante. Não esconda o sorriso quase envergonhado ao relembrar que um dia você foi paradoxal. Sem as travas da maturidade, o amor que você tanto queria era ao mesmo tempo sufocante e desejado, saudoso e grudento. As lágrimas eram por todas as razões acima, os sorrisos também. E ao verbalizar isso, era com gritos de incompreensão e sussurros de culpa.
               Tire suas mãos de mim
               Eu não pertenço a você
               Não é me dominando assim
               Que você vai me entender
               (...)
               Nos perderemos entre monstros
               Da nossa própria criação
               Serão noites inteiras
               Talvez por medo da escuridão
               (...)
               Brigar pra que, se é sem querer?(...)

Você não entendia, mas queria se fazer entender. O mundo era apenas um grande campo de provas. O maior objetivo nessa época era um vago desejo de mudar o mundo. O mundo! Essa esfera cheia de pessoas tão díspares, e a força que você achava que tinha resumia-se nas frases curtas e na empáfia. Você sabia de tudo, tudo tinha uma resposta. Entusiasmo que contagiava enquanto fogo. De palha.
              Não sei o que é direito
              Só vejo preconceito
              E a sua roupa nova
              É só uma roupa nova

E as brigas, eternas como o entusiasmo em mover o mundo. Uma incerteza em ter certeza de... alguma coisa. E quando o sexo entrou na equação, o prazer imediato tornou-se O objetivo. Prazer em correr, para ter um corpo desejável. Prazer em ganhar o primeiro dinheiro, para a primeira balada (ainda chamam assim os encontros regados a música inaudível e bebidas?) e as primeiras pegações. A doçura resiste até a primeira camisinha furada. Mas isso é só um empecilho. O mundo!
              Uma menina me ensinou
              Quase tudo que eu sei
              Era quase escravidão
              Mas ela me tratava como um rei
              (...)
              Sei que ela terminou
              O que eu não comecei (...)
              Ela falou "Você tem medo"
              Aí eu disse "Quem tem medo é você"
              Falamos o que não devia
              Nunca ser dito por ninguém(...)

Em alguns momentos você tem epifanias não reconhecidas. Afinal, o mundo está mudando graças à sua intervenção. Nem sempre suas ideias são aceitas (na verdade, nenhuma de suas ideais foi adiante... mas isso era apenas questão de tempo) e a cada frustração, um tombo. E no chão, tão confortável, mais ideais criados.
              A violência é tão fascinante
              E nossas vidas são tão normais(...)

              E era como se jogassem Space Invaders
              Perdendo mais dinheiro de muitas maneiras(...)

              Parece energia, mas é só distorção
              E não sabemos se isso é problema
              Ou se é a solução (...)

Quando você se levantou, o diapasão reverbera na direção do ódio, puro, simples e primitivo. O mundo iria mudar, quer ele queira ou não. Quem era do tempo dos fanzines fazia os mais subversivos panfletos, recheados dos novos signos linguísticos, os palavrões. Você era blasfemo, irônico e anticomercial. Tomando refrigerante e cerveja de grandes corporações e comendo em fast foods.

              Depois de vinte anos na escola
              Não é difícil aprender
              Todas as manhas do seu jogo sujo(...)
              Vamos fazer nosso dever de casa
              E aí então, vocês vão ver
              Suas crianças derrubando reis
              Fazer comédia no cinema com as suas leis(...)
              Geração Coca-Cola

Súbito, o mundo deixa a órbita de seu umbigo. A namorada, ou namorado. O novo papel dos pais. O dinheiro, agora "rendimentos" ou "dividendos". Planos, bandas, sexo, sexualidade. Preconceitos. Assimilações. Individualidade. Novas famílias.

             Mudaram as estações e nada mudou(...)
             Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar
             Que tudo era pra sempre
             Sem saber que o pra sempre sempre acaba(...)

E num dia, nem sempre tão belo, você amadurece.

Artista: Legião Urbana
Disco: Legião Urbana
Ano de lançamento: 1985  

Lista de músicas aqui.              




2 comentários:

David disse...

Perfeito, Parabéns.

Anônimo disse...

Sid, ficou perfeito!!! Eu disse que você tem muito talento... e não é porque sou seu amigo, como você deve estar a imaginar...
Mauro