20.1.10

Skank - Calango

Não fui eu quem disse isso, mas o fatos estão aí. 1994 foi um daqueles anos musicalmente marcantes. Se hoje somos reféns, por exemplo, de bandas de rock emo, culpem o Weezer - mas não muito, pois eles são bons. Bandinhas que distorcem guitarras, fingindo ser punk ganhando mesada da mãe? O Green Day e seu Dookie. Também tivemos Oasis, Portishead, Blur, Jeff Buckley.

Mas aqui nas paragens brazucas tivemos momentos dignos de nota, para o bem e para o mal. Vou me ater a falar sobre um disco em particular, por tê-lo e por gostar muito dele, o segundo do Skank.

Quando os quatro mineiros de Liverpool (ouçam Cosmotron e descubram o que estou falando) lançaram o primeiro CD, ainda em uma época em que CD's eram "coisa de outro mundo", não dei muita atenção. Fora uma versão de Dylan e uma ou outra canção de "protesto", para meus ouvidos eram apenas branquelos queendo fazer reggae e se entregando demais à devoção a mister Marley. Vi uns clipes,ouvi umas coisas nas rádios e foi simplesmente "ok. Próximo".

Ainda bem que existe algo chamado evolução. Provavelmente por serem fãs de Marley, Tosh e outros, também ouviram por tabela vertentes mais desencanadas vindas da Jamaica; os meninos abraçaram o dancehall com toques brazucas e perpetraram onze canções pop que muito cara bom demorou uma década pra compor. Canções como "Amolação" (um libelo corno com um toque de humor cáustico) e "Sam" (espécie de "declaração de princípios" do vocalista e, por tabela, do grupo) dão, em velocidades diferentes, um passeio malemolente pelo "quase samba-reggae".

"Te ver", uma das mais tocadas do CD, reúne a síncope da Jamaica, os metais resvalando no jazz e uma letra que escancara a herança "Clube da Esquina" de qualquer mineiro nascido depois de 1960, mesmo que inconscientemente. "É como mergulhar no rio e não se molhar/ é como não morrer de frio no gelo polar...".

Alguns críticos chamaram a atual fase do Skank de "amadurecimento a là Roberto Carlos", o que me assustou. Visualizei Samuel Rosa exaltando as mulheres de vestido grená ou algo parecido, mas eles (ainda bem) simplesmente copiaram os grupos mod ingleses (tá bom, mal humorados, copiaram os Beatles!) e seguiram em frente. No "Calango", eles deram uma amostra desse amadurecimento com o, hã, rock-embolada "A cerca": os inevitáveis samplers que grassaram a década de 1990 mas sem os metais das outras faixas e com uma levada brasileira ( se é que posso qualificar um som com um gentílico). Falando em Brasil e no Roberto, a cover de "É proibido fumar" é (minha opinião aqui) primorosa.

Mas esse CD tem lugar cativo em meu coração por ter uma música que está em meu panteão particular; poucas músicas para mim são perfeitas. Na verdade, acho que 5 ou 6 tem essa (dúbia) honra em meu córtex cerebral. Pois depois de "Esmola", conheci mais um pop perfeito. A guitarra deu um início suave. A bateria deu o tom, um pequeno milagre. O baixo era quase obrigado a alcançar o Elísio dos tambores. Mas o que me matou suavemente foram os metais. Foi arrepio à primeira audição. Quando Samuel entoou os versos, fui intimado a aprender os versos, cantar junto e acender o isqueiro. Para se ter uma ideia, a última vez que senti isso foi quando ouvi "Por isso corro demais" na minha infância. Um passeio pelo paraíso chamado "O beijo e a reza".

O sol na nuca, e o corpo dela ofusca a luz do sol. E o sol de 1994 brilhou como poucos com esse disco. Mais um dentre tantos essenciais.

Álbum: Calango
Artista: Skank
Ano de lançamento: 1994

Lista de músicas aqui

Um comentário:

Cláudio Henrique disse...

Eu, como um "minerin da gema" e fã do Skank, assino embaixo suas palavras.
Acrescento o primeiro disco.
Acho esses dois os melhores do grupo. Até aqui, claro. Espero que muita coisa boa venha por aí, principalmente porque conheço e acho muito "cabeção" o grande parceiro do Samuel - Chico Amaral.