Conheci
Luis Fernando Verissimo na Veja. Opa, é melhor contextualizar a
frase acima, caso contrário algum incauto vai imaginar que eu e o
escritor nos encontramos nos corredores da redação da revista
semanal. De novo, do início.
Meados
da década de 1980. Algumas professoras me presenteavam com edições
antigas da revista Veja, quando o editor-chefe era o José Roberto
Guzzo (leio tudo em uma revista. Tudo. Até o expediente).Mais do que
o início da abertura política, fui fisgado pelas páginas iniciais,
onde lia-se em grandes letras o nome “Luis Fernando Verissimo”. A
primeira coisa que pensei foi “será que tem algum parentesco com o
Érico?”.
Depois
do primeiro parágrafo, isso não importava mais. Descobri o meu
segundo cronista preferido – o primeiro, mesmo depois de tanto
anos, ainda é Rubem Braga – e uma referência para pesquisas. Sim,
pois muito do que ele dizia era javanês aos meus olhos pouco
letrados. Não foram raras as vezes em que eu me debruçava em um
dicionário ou ia ao Barsa (crianças, sou pré-histórico; Wikipédia
e Google sequer faziam parte do vocabulário corrente) por conta de
uma palavra ou frase de uma crônica dele.
Também
foi graças a Verissimo filho que odiei com toda a hemoglobina da
minha corrente sanguínea durante uma década inteira o Jô Soares.
Quando o hoje apresentador de talk-show o substituiu, eu me referia
ao senhor Eugênio Soares usando um epíteto de três palavras: filho
da puta. Mas já passou.
Passei
a consumir Luis Fernando Verissimo na biblioteca, tanto nas
coletâneas literárias quanto nas edições do Estado de S. Paulo.
Enquanto Érico Verissmo era um sonho intelectual inatingível para
uma capiau (embora eu secretamente quisesse ser um escritor tão
intenso quanto ele), Luis Fernando parecia conversar comigo. O texto
dele não era arrogante, tipo “minha educação formal é maior que
a sua, chupa!”; se havia referências mais rebuscadas, elas faziam
parte da estrutura assim como as moléculas de hidrogênio fazem parte da fórmula
da água.
Após
anos, ou melhor, décadas sem comprar um livro ou mesmo ler um (shame
on me), estava eu no mês de Agosto numa fria e impessoal rodoviária
quando vi na vitrine de uma livraria o nome dele, seguido de um
título simples – O opositor – e um preço deveras convidativo.
Não pensei duas vezes e comprei. Como ainda estava no meio da
leitura de Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, deixei para
degustar as palavras de Verissimo depois, sem nenhum empecilho.
O
que me chamou a atenção no início foi que esse livro faz parte
de um projeto chamado 5 Dedos de Prosa. Embora eu ache estranha essa
mania que algumas editoras tem em fazer com que um escritor aja como
um operário do vernáculo, “forçando-o” a criar uma história a
partir de alguma temática qualquer (foge um pouco ao meu
conceito de liberdade criativa, mas sei que os tempos são outros e
romantismo não paga as contas), foi muito feliz dar ao polegar, o
incensado dedo opositor que tanta diferença fez na evolução do
Homo sapiens, a verve e a imaginação de Verissimo.
Usando
o conceito das teorias conspiratórias tão em voga desde o século
XX, um pouco de história da Arte, fábulas brasileiras,
religiosidade e mitologia, o livro cria um universo crível dentro um
thriller de espionagem, onde a primeira coisa que se faz é a
desconstrução da alucinação psicotrópica: dá-se a ilusão
primeira de que o narrador sem nome está sob o efeito do chá
alucinógeno servido por uma das personagens mais estranhamente
incríveis criadas por ele, Serena, a “índia dinamarquesa”, pois
o relato contado a ele por um sujeito eternamente embriagado, grande
e estrangeiro, parece coisa de um filme do Paul Greengrass com um
toque de LSD.
A
maneira brilhante que Verissimo usou para usar o polegar na história
faz com que a todo momento você se veja curioso para pescar as
referências que ele usa, desde o versículo da segunda carta de
Paulo aos Tessalonicenses à presença das Três Fúrias da mitologia
romana, da epidemia étnica ao afresco de Fra Angelico. Tudo isso
embalado em um suspense que faz com que o leitor queira chegar logo
ao final, tarefa muito simples e prazerosa, pois é uma edição
curtinha, pra se ler em uma sentada.
O
opositor é uma crônica em forma de livro, onde os sabores dos sucos
tomados pelo narrador sem nome – caju, açaí, seriguela, buriti,
bacuri,patavá e sapiri – ilustram os atos em que a história se
divide, cada sabor sendo uma alegoria do desenrolar dos
acontecimentos. No final, resta apenas a água como simbolismo da
purificação e da verdade.
Todo
esse blablablá só pra dizer que adorei o livro... preciso ser mais
conciso da próxima vez.
O
opositor
Autor:
Luis Fernando Verissimo
Editora
Objetiva
140
páginas
Um comentário:
Mais uma vez você dá um show de erudição cinematográfica. Você adora cinema, cara! Eu também, mas n~]ao estou nem aí para diretores, atores, roteiras, o que fizeram e o que deixaram de fazer. Isso está no sangue. Adorei sua expressão "odiei com toda a hemoglobina da minha corrente sanguínea", Uau, de onde você tira essas coisas? São muito originais e espirituosas. Só por isso já vale a penas ler você. Mas, por que mesmo você odiou o Jô Soares? Não ficou claro. Quem substitui quem? Tá certo, eu sei, mas olha que o caso é passado que, embora recente, já sumiu da cabeça das pessoas (como sói acontece neste país).
Acho que tenho muita sorte de ter conhecido você e poder privar de seu intelecto. Você é o cara!
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