31.8.06

Amigo é coisa pra se guardar em uma cela acolchoada

Amigo é uma palavra cujo significado eu desconhecia até meus vinte e cinco anos. Não, criaturas maldosas, eu não preciso de um dicionário; o significado que eu não sabia não era o gramatical e sim o pessoal e “prático”, digamos assim. Mas vamos por partes, como diria Jack, o estripador.

Me descrevi tanto para o Janio quanto para o Marco como um quase autista na minha infância, adolescência e parte de minha idade adulta. Entre meus 5 e 12 anos, meu mundo particular me bastava. O mal de aprender a ler cedo demais – ah, os programas infantis de outrora! – é não ter com quem conversar sobre o pouco que eu lia, seja sobre as mal compreendidas páginas dos jornais (qualé, eu mal tinha saído das fraldas!) ou as palavras em Inglês que apareciam no desenho do Pica-Pau. Não me restava alternativa, pelo menos sob a ótica infantil, senão criar meu universo.

Esse mundo imaginário, muito mais pretensioso do que ter um simples amigo imaginário, tinha trilha sonora, tramas estapafúrdias que eu considerava geniais, heróis e vilões retirados das novelas, seriados e livros de Agatha Chrisite, J. M. Simmel e Luis Fernando Veríssimo. Numa Indaiatuba que hoje só existe nas lembranças de quem têm mais de 25 anos meus pés sentiam as folhas de indaiá, a terra fértil, meus olhos viam os bigodes de Hercule Poirot, os vestidos vitorianos de Miss Marple, o preto-e-branco acinzentado dos desenhos do Pernalonga e meus ouvidos captavam minha voz narrando o trabalho das saúvas e dialogando com os personagens que citei.

Imaginem o choque quando tive que me relacionar com pessoas do mundo real em meu primeiro dia de aula! Ainda bem que havia as palavras amigas, que adquiriram significado e os números. Não sabia o nome de nenhum de meus colegas de classe, porém sabia o que era um camelo e uma zabumba. E que havia soma e subtração. Era um mundo tão maravilhoso quanto o meu, exceto pela s vezes em que alguns estranhos me chamavam pelo nome.

Na adolescência meus hormônios deram poucos sinais de revolta. Meu mundo foi reforçado com a inclusão do Homem-Aranha, Super-Homem, Batman e Wolverine. Os estranhos até tinham nome, mas não ressonância. Tentei ter desejos consumistas tão caros na era yuppie, pedindo meu primeiro par de tênis “de marca”. Quando vi que a única diferença entre a tal marca famosa e o que eu usava desde sempre era apenas o preço voltei aos meus roteiros, dessa vez para histórias em quadrinhos. Eu me achava o Machado de Assis das HQ’s até ler Alan Moore. Intelectualmente foi meu primeiro desvio rumo ao chão da vida.

Já com meus 25 anos descobri que nenhum homem é uma ilha, para meu pesar. Trabalhar em equipe, saber o nome dos estranhos e tratá-los pelo nome. Ou apelido. A maturidade mostrou (escancarou, na verdade) os 720 graus do mundo tridimensional e cruel, mas ainda assim belo. Sobraram resquícios, evidentemente: andar e pensar em voz alta, me perder em meus delírios enquanto converso com alguém.

Amigos? Só os cultivei após descobrir depois de alguns percalços o que sou, como me comporto, do que gosto, do que não gosto, porque faço o que faço, onde pretendo chegar. Talvez graças ao meu passado autista (ou, em bom Português, background), aprendi a conviver com as manias das pessoas e gostar delas assim mesmo.

Dentre meus amigos, um deles nunca vi pessoalmente, outro mora tão longe que se não fosse a Internet jamais saberíamos da existência um do outro. Há as mulheres... é impressionante como consigo ser amigo delas. Antes eu era um jacu, pronto para me esconder ao ver uma mulher vindo em minha direção. Existem pessoas que não são mais estranhas e intrusas.

E em alguma gaveta empoeirada meu universo aguarda quieto que eu o visite enquanto durmo. Eles às vezes me convidam pra tomar chá ou capuccino. Recuso polidamente à luz do dia. Pelo menos enquanto não sinto o aroma dos biscoitos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Woofs do URSO pra vc Grande Sid !
Hehehe...
Dizer oque ? Vc já disse tudo rapaz !
Bom ver vc de volta ao universo dos blogs. Já te disse e direi SEMPRE:
Nao some nao... precisamos de gente como vc AQUI (tambem) e ESPECIALMENTE no mundo real !
Vc como sempre, tão "frugal", quanto poetico...
Abs do gordinho
BG

Anônimo disse...

olá...
o post não tem nda haver cmgo (não fala de mim),mas me identifiquei tanto, q resolvi comentar,falou tudo que há tantos anos eu venho pensando..

adorei o texto...
bjus

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom