27.8.06

O trabalho, o homem e a dignidade.

Trabalhar, para quem nasceu em uma família pobre (nada daquele retrato de "famintos, esfarrapados e coitadinhos". Apenas o pobre que nunca teve carro e demorou pra comprar a primeira tevê a cores, certo?) nunca foi uma opção rentável. Ou você tinha um emprego ou não pagava as contas e sequer comia. Por isso sempre vi os empregos que tive apenas como fonte de subsistência; desde meu primeiro emprego, atendendo fregueses numa rotisserie até minha ocupação em uma usinagem de peças automotivas nunca vi aquilo como fonte de prazer pessoal, como alguns exemplos endeusados pelas mídias não se cansam de mostrar.

Nunca vi o trabalho que tinha com bons olhos. Depois de três meses em todos os meus empregos, as garras corporativas mostraram-se afiadas e mortais. E olha que sequer saí do chão de fábrica... desde o coleguinha que ensinava a rotina de trabalho de maneira errada só pra ver o novato ser queimado logo no primeiro mês (isso era mais acintoso quando o novato em questão dava claras mostras de competência) até ser vítima da famigerada Rádio Peão com o único intuito de desmoralizá-lo, nesse poucos porém eduactivos anos como auxiliar de produção vi o que uma empresa poderia me dar: somente meu salário.

Depois de alguns anos essa simplificação me causava uma angústia inexplicável à primeira vista; eu tinha um emprego, esse emprego me pagava em dia e mesmo assim a sensação de falta, ou pior, de perda aflorava. Foi preciso a maturidade para dar a resposta:estagnação.

Se eu começava na empresa como auxilar de produção, eu invariavelmente como... auxiliar de produção. Se eu tivesse a iniciativa de continuar meus estudos, logo me mostravam que isso "era uma tremenda bobagem", pois eu já era bom no que fazia. Como nunca fui conhecido por meu espírito empreendedor (pra ficarmos no popular: eu era um babaca mesmo), aceitava sem questionar, mesmo que a angústia que essa decisão (ou melhor, a falta de decisão) me causava.

A estagnação trouxe um efeito colateral que potencializava a inquietude: a falta de desafio. Não havia estímulo para ser pró-ativo, para termos idéias, para exercermos nosso lado criador. Isso me lembra um episódio envolvendo Alfred Hitchcock: quando Kim Novak, se não me falha a memória, durante as filmagens de Um Corpo que Cai questionou ao diretor: Alfred, qual a minha motivação nessa cena? , ele respondeu, à guisa de ironia: o seu salário.

Há muitas pessoas que consideram o dinheiro a coisa mais importante da vida. Bem, é importante, mas dentro da medida (um dia falo melhor sobre isso. Prometo que não será uma apologia à casa no campo e ao amor verdadeiro, tampouco uma ode à força da grana que ergue e destrói coisas belas - nossa, vocês reconheceram a citação de Caetano Veloso, é?). Quando sua vida resume-se a acordar com o despertador-entrar no ônibus-picar cartão-apertar botão-carregar coisas-comer algo rapidamente-voltar e fazer a mesma coisa até a tarde, sem que no intervalo haja uma nova descoberta intelectual, um desafio - e poderia ser simplesmente mudar de setor por uma semana - , você pode despertar de repente e ver que décadas se passaram e você continua ouvindo as mesmas músicas, gostando dos mesmos filmes, atado ao mesmo piso sem saber mais apertar o play de um DVD.

Quem chegou até aqui deve estar se perguntado: por que esse cara está falando isso? Bem, porque estou em um novo emprego há exatos quatro meses e pela primeira vez, estou gostando do que faço. Mas gostando mesmo !

Há dois anos eu estava desmpregado há quase sete meses e estava atirando em todas as direções. Um dos tiros que dei foi participar, com dinhero emprestado, de um concurso público. Muitos me diziam que eu estava jogando dinheiro fora, pois a maracutaia rolava solta, havia muitos cargos comissionados ocupados por apadrinhados de fulano, et cetera. Bem, pra resumir: não sou afilhado de ninguém, nunca tive costas quentes e passei em 26º lugar. E no dia 27 de abril de 2006 fui convocado a ocupar meu cargo de auxiliar adminstrativo na secretaria da saúde.

Meu salário não é dos melhores, mas há a inequívoca vantagem da estabilidade e algo que nunca tive em meus empregos anteriores: desafio. Lidar com o público e suas idiossincasias - ser xingado às vezes - , aprender o que dizer e o que fazer quando certas patologias aparecem, e saber que ser mulher não é moleza (eu trabalho num ambulatório especializado em saúde da mulher. Imagine o baque em mim, que sequer sabia o que era papanicolau!).

Pouco a pouco sei como é gostar do que faço. Quem foi que disse que de onde menos se espera é de onde não sai nada mesmo?

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